Trocas

sexta-feira, 11 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

            “O beijo é aquilo de mais íntimos que dois seres humanos podem compartilhar. Nem mesmo sexo consegue passar uma intimidade tão grande quando o beijo em si. Por esse motivo que as putas não costumam beijar seus clientes. O beijo é um momento de compartilhar profundas emoções, sem igual. Um momento no qual um pouco de você fica com a pessoa beijada e um pouco dessa pessoa fica em você.” Esses eram os pensamentos que passavam pela cabeça do JC de Moraes enquanto, entre sorrisos amarelos e elogios sinceros, ele assinava dezenas de livros em sua primeira noite de autógrafos.
            Os motivos que o levaram até ali eram absolutamente estranhos. E tão estranhos quanto os motivos era o que havia por trás daquele trajetória dita brilhante. Os caminhos que sua vida tomou eram influenciados de forma inusitada justamente pelos beijos que naquela hora ocupavam sua cabeça.
Mas vamos contar a história de forma mais completa. JC de Moraes era o nome pelo qual José Carlos Almeida de Moraes era conhecido. O nome de batismo havia sido substituído por “JC” já durante a infância, e o “de Moraes” foi incluído durante os primeiros anos como professor universitário.
            Ele havia passado no vestibular de sociologia de uma universidade pública federal. Os motivos de ter escolhido esse curso eram bastante simples: nota de corte baixa. O que levou JC a sociologia era simplesmente o fato de que era uma das notas mais baixas para aprovação no vestibular e ele precisava fazer algo agora que havia terminado o segundo grau.
            Passou na primeira tentativa e pouco tempo depois estava perdido em meio aos demais calouros do curso. E foi justamente no primeiro semestre que havia conhecido uma garota chamada Amanda. Pode-se dizer que ela seria quase o contrário dele: politizada, filha de professores universitários, havia escolhido aquele curso por vocação, apesar da capacidade estar até em cursos mais concorridos. Por não saber desse segredo de JC com relação a escolha do curso acabaram ficando amigos e de amigos em pouco tempo se tornaram namorados.
            A troca de beijos entre eles acabou por deixar algo em JC. Parecia que cada vez que dividia seu tempo com Amanda, mais ele se aproximava da sociologia e mais parecia gostar do assunto. Já na metade do curso, mesmo com o fim do namoro, algo de Amanda havia ficado em JC, e ele acreditava que era a paixão pela sociologia.
            Um tempo depois engatou outro relacionamento, desta vez com Paula. Alguém que ansiava pela carreira do magistério superior e os planos para depois de formada eram um curso de mestrado e posteriormente um doutorado. JC nunca havia pensado seriamente sobre esse assunto, mas a cada momento passado com Paula, a cada beijo trocado, a vontade de ser professor universitário parecia tomar conta dele. Era como se o contato entre as línguas trouxesse um desejo oculto de seguir carreira acadêmica, e mesmo com o fim desse relacionamento, JC prosseguiu com o mestrado e posteriormente um doutorado, este feito fora do país.
            A vida fora do Brasil estudando não é tão fácil como se pensa. Viver na França, estudando com bolsa, apesar de certas compensações, é difícil... Mas mesmo em meio a tantas dificuldades, um outro relacionamento surgiu. Ele estava no doutorado, ela no mestrado, ele brasileiro, ela francesa. Sophie, era uma bela loira européia, inteligente, mestranda em literatura que sonhava em escrever seu primeiro romance. O relacionamento entre os dois foi intenso e durou apenas o tempo do doutorado de JC. Distâncias impedem muitos relacionamentos, e a volta ao Brasil dele impediu a continuidade desse...
            De volta ao Brasil JC passou a subitamente se interessar por literatura. Era como se algo tivesse ficado dentre dele, a vontade de escrever um livro, um romance, algo fora do mundo dos livros técnicos. E essa vontade ficou dentre dele por um longo tempo e era concretizada nesta noite, com aqueles autógrafos que vinha dando.
            E era por esse motivo que ele pensava sobre o beijo. Todas as mulheres com quem tinha se relacionado haviam deixado um pouco delas nele. As três descritas aqui eram apenas as mais importantes, que duraram mais tempo, mas as que deixaram as maiores marcas. O amor pelo curso, a vontade de carreira acadêmica, a vontade de publicar seu livro... Tudo não estava nele de início e parecia ter sido transmitido por simples beijos.
            E ele estava ali, já passado dos 40, autografando seu primeiro romance e pensando em como tudo havia chegado até ali. Nos beijos que o haviam levado até ali, e pensar nisso só comprovava sua teoria de que beijo é mias íntimo que sexo. O sexo pelo sexo não era capaz de deixar tantas marcas como os beijos em seu passado o haviam marcado, trazendo vontades que até então não existiam.
            E esses pensamentos aos poucos se tornaram quase que uma verdade para JC. Em pouco tempo passou a ter certeza de que somente estava ali, autografando seu romance, por conta das marcas deixadas pelos beijos do passado. E dessa certeza veio outra, bem mais complexa. JC percebia por meio de seus alunos que cada geração era mais volúvel que a anterior e isso tinha explicação. Cada vez mais o momento íntimo do beijo era afastado em troca do simples prazer, e assim cada um adquiria cada vez mais experiência de cada vez mais pessoas. Se um pouco da pessoa fica em cada beijo dado, um pouco de muitas pessoas havia ficado nos jovens que agora eram seus alunos (e que muitos também estavam ali para o lançamento de seu livro) e que estavam trocando intimidades com cada vez mais pessoas. E a cada troca, novos desejos entravam, e a grande quantidade de desejos que entravam, cada vez mais constante e cada vez mais diferentes, tornavam as pessoas apenas mais volúveis. E isso explicava muitas coisas que ele via acontecendo ao seu redor.