O Primeiro Beijo

domingo, 6 de março de 2011 | Published in | 2 comentários

- quer se casar comigo?

A frase foi dita de forma súbita, seca, sem o mínimo preparo. E justamente por isso ela soou tão autentica. Era algo que já vinha sendo amadurecido no fundo da mente de Carlos, mas até então ele nunca havia pensado em dizê-la, ainda mais dessa forma.

Estavam ele e Mariana, sua namorada de já 4 anos, deitados no sofá, vendo um filme na televisão. Estavam na casa de Carlos, que ainda morava com seus pais, e o filme que viam não fazia a menor referência a casamentos ou a romance. Para falar a verdade, Carlos nem mesmo prestava atenção ao filme. Estava sentindo o cheiro dos cabelos de Mariana, e isso o distraia, e justamente em meio a esse cheiro inebriante que ele, sem nem pensar duas vezes, virou sua namorada para si, de forma que pudesse olhar no fundo dos olhos verdes dela, e soltou a frase que começou toda essa história.

Mariana, simplesmente olhou fundo nos olhos de Carlos, mais profundamente do que ele olhava nos olhos dela. Ela sabia que eles namoravam já a bastante tempo, mas ficou de certa forma desconcertada com a pergunta e principalmente por esta ter acontecido de forma tão súbita. Contudo, respondendo no tom mais natural possível, simplesmente perguntou:

- Por que essa pergunta justamente agora?

- Bem, eu te amo. Namoramos a bastante tempo e agora eu consegui um emprego melhor, ganhando bem melhor. Acho que está na hora de nos casarmos.

Essa resposta de Carlos foi bem direta, e extremamente correta. O casamento sempre foi visto pelos dois como um plano distante, algo a ser discutido e pensado no futuro, quando ambos estivessem melhores consolidados em suas respectivas profissões. Ocorre que o futuro a tanto adiado finalmente chegou e ambos sabiam que casar seria o próximo passo lógico.

Por um tempo ficaram os dois ali, em silencio, olhando nos olhos um do outro. Estranhos pensamentos passavam pela cabeça dos dois. Na de Carlos, ele pensava em como seria sua vida dali em diante, alugar apartamento, comunicar aos amigos, etc. A mente de Mariana estava em outro lugar, distante, e num único pensamento, o qual saberemos mais tarde. Por fim, Mariana respirou fundo, e ainda olhando nos olhos de Carlos disse:

- Preciso de uma semana pra te dar a resposta. Nesse tempo, preciso que você me deixe só. Ao final dessa semana, eu te direi minha resposta.

Dessa vez foi Carlos quem ficou desconcertado. Não esperava por essa resposta, afinal eles estavam juntos a anos, dormiam na casa um do outro e se viam praticamente todo dia. Não haviam motivos para a recusa. Carlos tentou controlar o que sentia, se fechou com suas dúvidas. Ele sempre foi tímido e calado, do tipo que mal conseguia dividir problemas com amigos mais próximos. Além disso, sempre foi muito racional e calmo. E justamente devido a essas duas últimas características é que Carlos também respirou fundo, conteve a frustração e disse:

- Se é o que você precisa, então tudo bem...

Mariana e Carlos se beijaram, de forma simples e rápida. Esse beijo não passou de um simples selo, apenas lábios se tocando. Mariana pegou suas coisas e saiu e ambos não disseram mais nenhuma palavra com o outro durante a semana seguinte.


- Você ainda me ama?

Essa frase foi dita também de forma seca, direta, quase bruta... As mesas ao redor do bar onde estavam pareciam não prestar atenção ao que acontecia naquela mesa, onde uma mulher de profundos olhos verdes olhava fundo nos olhos de um homem de longos cabelos pretos e olhos castanhos. Paulo, esse homem, sentiu as pernas levemente bambas ao ouvir a pergunta de forma tão direta. Jamais imaginava que ouviria aquelas palavras ainda mais depois de tanto tempo. Na verdade Paulo amava Mariana, ou pelo menos já tinha amado... No dia em que se conheceram, ainda no primeiro semestre da faculdade que faziam juntos, Paulo sentiu algo diferente. Mariana vinha pelo corredor, andando e procurando uma determinada sala, ela estava de vestido rosa que realçavam ainda mais o verde de seus olhos e Paulo se apaixonou por ela nesta simples e primeira visão, pois ao vê-la, parecia que não haviam mais de mil calouros ao redor dos dois naquela manhã.

Descobriram que faziam o mesmo curso e uma amizade começou, ou melhor, uma amizade começou para Mariana, pois Paulo, mesmo não acreditando em amores a primeira vista, amava Mariana cada vez mais a cada nova característica dela que conhecia. Na época Paulo namorava, e Mariana acabara de terminar um longo namoro, e nos 10 anos que se conheciam nunca ambos estavam solteiros ao mesmo tempo. Parecia um desencontro programado feito para que nunca desse certo. A amizade dos dois era estranha, mesmo não tendo os mesmos gostos, eram mais parecidos do que imaginavam, chegando quase a completar frases um do outro, ou nem mesmo precisar falar para que um soubesse que o outro estava feliz ou triste. Para Paulo, ver Mariana tornava o dia melhor. E todo esse turbilhão de sentimentos Paulo guardava dentro de si durante todo esse tempo, pois nunca falara para Mariana o que sentia.

A cabeça de Paulo fervilhava. E se perguntava como ela poderia saber? Mas essa pergunta já tinha resposta, que Paulo sempre soube: era impossível não perceber na forma como ele olhava para Mariana. Ela sempre o flagrava olhando pra ela quando no meio de reuniões de amigos eles se encontravam. Era óbvio os sentimentos de Paulo, pelo menos para Mariana. Ela sempre soube, e ele sempre soube que ela sabia. Aqueles olhos verdes eram capazes de ver o mais íntimo dos sentimentos de Paulo, e era isso que fazia com que Paulo amasse mais ainda Mariana.

Nesse momento Paulo respirou fundo, olhou no fundo dos olhos de Mariana, aqueles olhos que ambos sabiam que ele nunca conseguia mentir quando olhava dentro deles, e disse:

- Já amei. Hoje em dia, acho que não mais.

As palavras de Paulo saiam espontâneas e eram ouvidas por Mariana que simplesmente olhava no fundo dos olhos dele. Mariana apenas disse:

- Achava que a resposta seria essa, a forma como seus olhos me olham mudou nos últimos anos.

E realmente mudaram. Não fazia muito tempo, um ano no máximo. Estavam ambos em um churrasco na casa de um amigo em comum. Paulo estava solteiro, e Mariana estava com Carlos. Cabe aqui um adendo: Carlos nunca soube dessa conversa e nunca soube dos sentimentos de Paulo. Carlos até tinha profunda amizade por Paulo assim como Paulo por Carlos.

Voltando a história do churrasco. No fim do dia, todos já estavam meio bêbados e o churrasco chegava ao fim, nessa hora Mariana sentou no colo de Carlos e lhe deu um beijo e passou um tempo olhando pra ele e acariciando seu cabelo, enquanto Carlos encostava seu rosto junto ao peito de Mariana. Era uma cena de carinho, de amor, e de profundo tristeza para Paulo que assistia a tudo. Aquela cena mostrou para Paulo que Mariana nunca olharia para ele daquela forma, e nessa hora a tristeza tomou conta dele e ele ficou remoendo uma série de sentimentos dentro de si. Em pouco tempo Paulo se levantou, avisou a todos que iria embora. Ninguém estranhou por conta do estado de fim de festa. Paulo se levantou, saiu, sentou em seu carro e chorou por saber que nunca teria Mariana olhando para ele daquela forma, mas ao mesmo tempo se sentia bem por saber que alguém a fazia feliz. E chorando ele deu a partida em seu carro, chorando ele dirigiu para casa e nunca mais seus olhos olharam para Mariana do mesmo jeito. Todo o amor que ele tinha pareceu se esvair com cada uma das lágrimas que derramou.

Paulo contou a história acima para Mariana, que ouvia a tudo atenta, esperando pelo desfecho que já contamos. Esse relato expôs os sentimentos de Paulo de forma a qual ele nunca tinha feito em sua vida. Era estranho falar de forma tão aberta sobre um segredo que a muito vinha sendo guardado e que, a medida que ia sendo revelado, perdia a sua importância. Ao fim do relato um profundo silêncio se abateu sobre os dois, um silêncio que não incomodava, mas na verdade parecia aliviar os sentimentos de ambos. No meio desse silencio os olhos pararam de se encontrar, na verdade passaram até mesmo a se desviarem. Uma verdade a muito guardada fora dita, mas mesmo se sentindo aliviado, Paulo não queria olhar nos olhos de Mariana, e Mariana também não se sentia confortável para os olhos de Paulo. E continuaram assim por um tempo, e em silêncio pagaram a conta e saíram do bar onde estavam.

Paulo acompanhou Mariana até o carro dela, ainda em silêncio. Antes de entrar no carro, Paulo e Mariana se olharam novamente, navegando nas profundezas dos olhos de cada um. Seus rostos de aproximaram, eles se abraçaram e finalmente se beijaram longamente. O mundo pareceu parar durante aquele beijo, um beijo que estava a mais de 10 anos sendo aguardado e se consumou num momento único para os dois.

Aquele beijo continha todas as respostas que precisavam. Aquele simples beijo mostrou a ambos que, talvez, se tivesse ocorrido anos antes uma história de amor poderia ter acontecido. Mas infelizmente todas as coisas tem um tempo, e o tempo de ambos havia passado. Poderiam ter sido um casal feliz, mas o tempo para isso já havia ocorrido. Os lábios colados tinham a resposta de que Paulo e Mariana jamais deveriam ficar juntos.

Os lábios de Paulo e Mariana se separaram, mas ainda continuaram abraçados sentindo o calor um do outro. Por fim se separaram de vez. Mariana entrou em seu carro e foi direto para a casa de Carlos, onde aceitou o pedido de casamento.

A amizade de Paulo e Mariana continuou, sendo Paulo padrinho de casamento de Mariana. A prova de que o sentimento entre os dois havia acabado foi o beijo que selou o fim de um amor de uma década e ambos, Paulo e Mariana, foram felizes em suas vidas, ou pelo menos felizes na medida que a felicidade é possível para as pessoas.