Fútil

sexta-feira, 4 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Ana Carolina era o nome feminino mais comum que se pode imaginar, mas aquela “Ana Carolina” não tinha nada de comum. Era alta, longos cabelos pretos, corpo de quem passava horas na academia, uma verdadeira gostosa. Se vestia bem e mesmo com roupas ditas “sérias” para o trabalho, ela abusava de decotes e saias que moldavam seu belo corpo. Ninguém sabia ao certo os motivos pelos quais ela tinha sido contratada na empresa, mas haviam algumas suspeitas: ela era filha de um dos superintendentes, ela era comida por um dos superintendentes, ela era filha de um político e um superintendente estava fazendo um “favor’... enfim, várias eram as especulações, mas uma coisa era certeza: ela não tinha sido contratada por sua competência.
O momento que ela se levantava para buscar água ou café era um dos mais esperados do dia. Quase todo mundo parava para vê-la atravessar a área de trabalho com aquele rebolado que só ela tinha. Era um espetáculo que tornava difícil olhar para qualquer outra coisa. Até mesmo conversar com ela era difícil, pois por conta dos fartos seios e do amplo decote que sempre usava, muitos homens que a conheciam a anos não saberiam dizer sequer a cor dos olhos dela.
E como ela lidava com tudo isso? Bem, ela adorava ser o centro das atenções. Cada uma das roupas era cuidadosamente escolhida de manhã para provocar o maior número de homens possível. Ela era gostosa, sabia disso e não ligava se a achavam vulgar. Não tinha sido contratada por sua competência e sabia disso, era muito bonita e também sabia disso. Tinha todas as armas, armas que deveriam ser usada sempre que possível. E justamente por ser sempre o alvo das atenções de todos os homens (e muitas vezes alvo de inveja de várias mulheres) que aquele novo estagiário tinha lhe chamado tanta atenção. Ele foi o único que, enquanto ela desfilava em direção ao café, foi o único que a olhou, balançou a cabeça e voltou ao trabalho.
Ser ignorada por um homem era inacreditável. Ele simplesmente a olhou, e em seu olhar não havia desejo, não havia nada, e ele só voltou a cabeça para os papeis que estava lendo. Nenhum homem jamais a havia ignorado daquela forma, até mesmo os gays da empresa olhavam para ela, estonteados com sua beleza, e não seria um estagiário novo que ficaria sem contemplar toda a sua beleza.
No dia seguinte vestiu-se para matar. A roupa vermelha, o amplo decote e a saia grudada ao corpo era para chamar mesmo a atenção. Nesse dia ouviu comentários por toda a empresa sobre como ela estava linda, mas aquele estagiário nem mesmo se deu ao trabalho de olhá-la, e voltou a ficar compenetrado com seus papeis e no computador a sua frente.
Era um absurdo! No dia seguinte mais uma vez tentou chamar a atenção do rapaz e mais uma vez foi ignorada. E assim foi por quase uma semana, até que ela resolveu tirar satisfações, afinal não era possível que alguém a ignorasse daquela forma. Reservou um tempo durante o almoço para conseguir falar com o estagiário sem a presença de outras pessoas. Ele trabalhava apenas meio expediente, sempre depois do almoço, e sempre chegava cedo, ouvia um pouco de música e começava a trabalhar. Geralmente na hora que ele chegava a empresa estava vazia. E foi nessa hora que a conversa aconteceu.
Ana não sabia como começar a conversa, o que acabou fazendo com que optasse por uma abordagem mais direta. Puxou uma cadeira para o lado do estagiário e lhe disse com uma voz que faria qualquer outro suspirar de tesão:
- Oi tudo bom?
            Ele respondeu com um breve “oi”, e voltou a ler alguns papeis. Ela insistiu:
            - Por que você não olha pra mim quando eu passo? Tem algo errado comigo?
            Nessa hora o estagiário respirou fundo, deixou os papeis de lado e disse:
            - “Eu não acredito nas mulheres que não estão ao meu alcance”
            Ana ficou sem entender e deixou isso transparecer em seu rosto (não que conseguisse evitar). Mais uma vez o estagiário respirou fundo e continuou.
            - Esse é um trecho de uma música antiga. Olha para você, não vou negar que você é bonita, e eu por outro lado não sou. Também não sou rico, muito menos sou uma pessoa muito simpática. Admirar você é como o cachorro parado em frente a uma máquina de frango assado, desejando algo que nunca vai ter. Pra que vou admirar você tanto assim se sequer o pensamento de você querer alguma coisa comigo irá passar pela sua cabeça? Não sou rico, não sou o seu tipo, é perda de tempo te admirar.
            Nessa hora Ana se sentiu incomodada, indiretamente havia sido chamada de fútil e superficial. Respondeu meio que contendo a raiva:
            - Quer dizer então que você me acha tão superficial ao ponto de não quer nada com alguém se o cara não for bonito e rico?
            E ele respondeu prontamente:
            - Qual é o problema nisso? Você é fútil, todos somos fúteis. Eu apenas admito que isso é normal, e sigo o meu caminho sem me importar muito com isso.
            Nessa hora Ana ficou calada e saiu. Realmente nunca iria sair como um rapaz como aquele, mas mesmo assim sentia que ele deveria admirá-la, desejá-la...  Era como se algo não mais estivesse encaixando. Não era assim que o mundo dela funciona, ela era admirada e ponto, aquelas palavras ecoavam em sua mente e isso não a deixava em paz.
Voltou mais cedo do trabalho para casa e ficou com as palavras daquele jovem rapaz ecoando na sua mente. No dia seguinte voltou ao trabalho, não usava mais roupas tão provocantes. De repente, era como se chamar tanta atenção tivesse perdido completamente a graça.