Uma Crônica de Segunda

segunda-feira, 31 de outubro de 2011 | Published in | 0 comentários

Esse é a primeira de uma série de crônicas semanais que pretendo fazer, agregando um pouco de minhas insanidades diárias. Por ser dia 31 de outubro, nada melhor do que esta primeira crônica tratar justamente sobre o famoso dia das bruxas.
Sei que as festas de halloween foram introduzidas aqui no Brasil por conta de filmes e seriados norte-americanos, e justamente por isso, alguns dizem que se trata de uma aculturação. Mas foda-se, este não é o assunto que eu quero tratar.  
Vou falar sobre algo realmente importante. O tema de hoje é sobre a primeira vez que ouvi falar desse tal de “halloween”.
Eu tinha por volta de 07 anos, e como era muito comum, passava muito tempo em frente a uma televisão. A televisão me mostrava a imagem de crianças fantasiadas e saindo de casa em casa pedindo “doces ou travessuras”, e eu, com aquela idade, ficava sem entender do que se tratava. Lembro que resolvi perguntar o que era o halloween para a única pessoa que, na época, parecia ter todas as respostas que eu precisava: minha mãe.
Me lembro que fui bem direto, virei para a minha mãe e perguntei: “O que é halloween?”. Minha mãe, meio sem saber como me explicar e, sendo uma pessoa mais velha que conhecia a tradição dessa festa apenas pela imagem passada por filmes, ficou um tempo em silêncio sem saber o que me responder. Ela estava pensando, tentando encontrar uma resposta para me explicar do que se tratavam as imagens de crianças fantasiadas pedindo doces que víamos na TV. Após esse breve silêncio, minha mãe encontrou uma resposta simples e baseada no que ela conhecia sobre o halloween. Ela me disse: “Ah, halloween é uma mistura de carnaval com Cosme e Damião”. Até hoje nunca encontrei definição melhor. 

A Vida Triste

sexta-feira, 16 de setembro de 2011 | Published in | 0 comentários

A vida não tinha sido das mais fáceis para João. Nasceu numa cidade do interior do Ceará, mudou-se para São Paulo quando criança, pois o pai buscava um emprego melhor do que a lida na roça. Trabalhou de pedreiro a vida inteira, acordando cedo, chegando em casa cansado e sem muita perspectiva de melhora. Nunca se casou, apesar de já ter tido algumas mulheres, também nunca teve filhos, pelo menos não filhos que sabia existirem. Agora aos 68 anos estava velho, cansado e completamente sozinho. Vivia triste e solitário, amargurado, seu único contato com outros seres humanos costumava ser em filas de hospitais e brigando com as crianças da rua que insistiam em jogar futebol justamente em frente sua casa. Ele era um velho solitário e rabugento, que vivia dizendo que a vida havia sido dura demais com ele. Esse tipo de vida que levava acabou por ser um problema, afinal, quando João morreu, sozinho em sua cama durante o sono, só descobriram o corpo quase uma semana depois, apenas por conta do mal cheiro. Enfim, aquela não tinha sido uma vida fácil.

Em outro lugar em outro plano de existência, algumas criaturas, cuja forma nossas mentes humanas são incapazes de imaginar, conversavam animadamente entre si:

- E aí? Como foi essa sua última vida?

- Ah, eu achei divertido, nunca tinha vivido uma vida triste. Foi a primeira vez que vivi uma vida desse jeito...

- Tá, mas conta mais.

- Bem, eu fui um cara chamado João. Solitário, sem filhos nem esposa que passou um monte de problemas na vida. Um sujeito bem besta na minha opinião. Ele sofreu muito e tal. Foi legal ser ele, porque foi diferente, mesmo quando encontrava uma vaga em vidas ruins sempre tinha alguma coisa que era divertida. Essa foi ruim do início ao fim, hehe.

- Sério? Achei que você tinha dito que gostou.

- Mas eu gostei. Foi como disse, foi divertido fazer algo diferente. Mas e você? Como foi a sua última?

- Ahh, eu acabei sendo um empresário bem sucedido, até bem feliz. Não gostei muito não. Te recomendei essa vida triste porque eu gosta mais dessas. Tipo, já vivi muitas vidas felizes, hoje em dia só essas tristes me dão emoção de verdade. Pra falar a verdade essa minha última vida foi bem sem graça...

- Não sei como você pode dizer isso. O drama todo que eu vivi foi legal e tal, mas nem é tão divertido assim. Acho que nunca vou entender essa sua fixação pela tristeza, hehe.

- Não é fixação pela tristeza. Na verdade é só porque ela costuma ser mais interessante de ser vivida. Esse povo que escolhe vidas felizes e tal, acaba que no final é tudo muito parecido. Apenas vivendo as vidas tristes é que conseguimos algum tipo de emoção de verdade.

- Ahh, fale por você. Eu gosto de umas vidas mais alegres. Gostei da experiência, tem seu charme e tal. Mas as vidas felizes parecem que passam mais rápido e você me conhece, eu adoro ficar mudando de vidas. Muito tempo em uma vida só me enjoa.

- Já eu acho que todos são muito curtas. Acho que você ta falando besteira. As tristes são mais divertidas, tem mais opções. A felicidade é sempre uma só, enquanto a dor e o sofrimento ocorrem de várias formas.

- Creio que nós não vamos conseguir convencer um ao outro né?

- Pelo visto, acho que sim. Vamos deixar essa conversa de lado. Acabou de sair a lista das novas vidas que vamos poder escolher, tô de olho em uma que parece que vai ser divertida: um cara que ao final da vida morre abandonado pelos filhos, não li o resumo completo, mas só esse pedaço já me chamou a atenção.

- Você e essas suas vidas tristes, hehe. Eu ainda não sei o que escolher, vou dar uma olhada na lista, mas com certeza, não tenho os mesmos gostos que você.

- É uma pena, mesmo porque você sabe que eu sou maioria. A maioria de nós acha mais divertido as vidas tristes, por isso essas sempre tem de sobra pra escolher.

Na saúde e na doença

sexta-feira, 3 de junho de 2011 | Published in | 1 comentários

O dia amanheceu e ele pode sentir os primeiros raios da manhã entrando pelo quarto. Não importava se era dia da semana, feriado ou domingo, ele sempre acordava na mesma hora, anos acordando sempre cedo acostumaram o seu corpo a isso. Olhou pro lado e viu a esposa deitada, ainda dormindo e roncando baixinho. Ainda a amava tanto quanto na primeira vez que a olhou dormir ao seu lado e sabia que eram um caso cada vez mais raro nesse mundo.

Já estavam juntos a mais de cinqüenta anos. Ele era Arnaldo José, o “seu Arnaldo”, ela era “dona Maria” sua esposa, e juntos tinha sete filhos, mais de trinta netos e já contavam com alguns bisnetos. Muitos anos juntos, muitos momentos compartilhados, e no saldo geral mais bons momentos do que ruins.

Seu Arnaldo se levantou com as dores no corpo que a velhice traz. Ainda estava bem forte para a idade que tinha, e achava que isso se devia as caminhadas logo pela manhã, aos livros que costumava ler e as palavras cruzadas, paixão que tinha vindo com a aposentadoria.

Trocou de roupa e saiu para sua caminhada matinal. Ao retornar, abriu a porta e sentiu o cheiro de café penetrando suas narinas. Dona Maria já tinha se levantado e estava com um roupão velho e puído, mas que ela adorava, e mesmo com os sinais da idade marcados no rosto, seu Arnaldo ainda achava sua esposa linda. Lhe deu um beijo e passou a ler o jornal em cima da mesa da cozinha. Moravam os dois sozinhos naquela casa simples mais confortável que ele tinha construído. Os filhos cresceram e foram embora criar sua própria família, mas sempre voltavam para aquela casa, trazendo os netos nos fins de semana.

Os netos... Bem, tinha-os de todas as idades. Alguns não moravam mais na mesma cidade que eles, outros ainda passavam lá depois da escola, e outros ainda nem tinha idade para saber direito o que acontecia ao redor. Ele e a esposa amavam a todos, vivam em função dos netos e até mesmo aprenderam a usar um computador para estar sempre em contato com os mais distantes... E justamente por conta desse amor não só aos netos como também a toda a grande família que a tragédia daqueles dias tornou tudo mais difícil.

Era um dia calmo, no meio da semana e no meio da manhã, seu Arnaldo estava deitado no sofá da sala fazendo algumas palavras cruzadas quando o telefone tocou. Era um de seus filhos, um que morava em outra cidade ligando. Estava ofegante, desesperado e com voz chorosa e perguntava se os dois idosos estavam bem. Seu Arnaldo respondeu que sim, deu um estranho olhar para dona Maria que tricotava ao seu lado, e perguntou o porquê de todo aquele desespero. Seu filho se limitava a pedir para ligarem a televisão.

Um noticiário, desses plantões urgentes, estava passando. Uma repórter, no centro da cidade onde viviam, informava que algum tipo de doença tinha atingido algumas pessoas. Ao fundo via-se dezenas de pessoas correndo desesperadas, cada uma numa direção, e ao fundo algumas outras pessoas pálidas, mancando, vinha em direção das outras. Aquela cena não fazia sentido algum, e a repórter falava coisas completamente sem sentido, como “mortos vivos”, “zumbis” e sabe-se lá o que mais. Para seu Arnaldo era algo completamente absurdo, e a única coisa que ele pensava é que deveria ser uma doença ou coisa assim. Falou com o filho que não tinha com que se preocupar, que a casa deles era longe do centro, que eles estavam bem e que a policia não ia deixar nada acontecer. O filho se acalmou, se despediram e desligaram o telefone.

Seu Arnaldo ficou pensando no que vira. Era uma doença estranha a daquelas pessoas e não conseguia entender porque corriam dos infectados. Tentou assistir um pouco mais daquela notícia, mas chegou a conclusão de que não fazia sentido e que o desespero era exagerado. Desligou a TV, terminou as palavras cruzadas e depois foi ajudar a esposa com o almoço, afinal alguns dos netos iriam para lá logo após saírem do colégio que ficava não muito longe.

Foi uma tarde normal, apesar das notícias vistas de manhã. Brincou com os netos durante a tarde e no começo da noite dois de seus filhos estiveram lá para buscar as crianças. Recebeu ligações de familiares durante toda a tarde, perguntando se estavam bem, respondeu que sim, que as coisas do noticiário eram num local longe, e que a policia já devia estar cuidando daquilo. Tudo parecia bem.

De noite, ligou a televisão novamente, a mesma notícia nos jornais. Mas as pessoas pareciam agora mais preocupadas. O centro da cidade era um caos, com carros virados e pegando fogo. A repórter falava sobre o caso, mas ao fundo os tiros chamavam mais atenção, ouviam-se muitos e a polícia parecia ter problemas para controlar a multidão que corria, bem como as pessoas infectadas com aquela estranha doença. Avisos foram dados para que ninguém saísse de casa e seu Arnaldo começou a ficar preocupado. Ligou para os filhos para ver se estavam bem, trancou as portas de casa, deu um beijo na esposa e ambos foram dormir.

Foi uma noite estranha. Não se ouviam muitos barulhos naquela região da cidade, mas algo parecia estar errado e o sono vinha difícil, agitado, isso quando vinha. Na manhã seguinte seu Arnaldo se levantou com os primeiros raios de sol da manhã, ainda estava preocupado e foi ligar a televisão.

Ainda se falava daquela estranha doença. Uma outra repórter dizia que a praga havia se alastrado e que a policia não conseguia impedir a confusão, e nesse momento seu Arnaldo achou melhor não sair de casa para caminhar. Ficou vendo o jornal, preocupado com sua família, tentou usar o telefone para ligar para os filhos, mas estavam mudos... Pegou o celular, ligou para um dos filhos, era estranho, mas o celular funcionou. Falou com os filhos que moravam naquela mesma cidade, estavam todos com medo, trancados em suas casas, e conversando decidiram que o melhor era esperar. A essa altura o exército já deveria estar fazendo alguma coisa.

Seu Arnaldo deixou portas e janelas trancadas e foi continuar a ver o noticiário. Sua esposa já havia levantado e via as notícias junto com ele. Conversavam e dividiam a preocupação com o restante da família. Ainda com medo e, a essa altura já sem muita vontade de conversar, almoçaram e dessa vez sem esperar a chegada dos netos, pois sabiam que estes estavam com os pais, trancados em suas casas esperando essa onda de terror passar. Tentou ligar novamente para os filhos, mas agora os celulares estavam mudos... Não sabia o que tinha acontecido e a preocupação só aumentava...

Pensou em sair e ir até a casa de um dos filhos que morava nas proximidades, mas enquanto tentava superar o medo e se preparar para sair começou a ver pela janela sinais de fumaça, negras, erguendo-se no horizonte e barulhos do lugar onde vinha a fumaça. Parecia que a confusão e aquela doença tinham chegado até eles. O medo tomou conta e o casal achou melhor não sair e esperar as coisas se resolverem. Se abraçaram e ficaram vendo as notícias na televisão...

O barulho apenas se aproximava deles, cada vez mais alto, mais forte, com mais gritos de dor e medo. Os dois idosos choraram abraçados, vendo as notícias. Eram mais estranhas ainda, a doença contaminava outras pessoas por meio de mordidas e arranhões, e os novos contaminados passavam a ficar também com a pele pálida, lábios escuros e olhos amarelados e sem vida, e depois disso passavam a ir atrás de novas pessoas que ainda não tinha a doença. Falava-se muito de como a doença agia e que deveriam correr de quem a tivesse, mas não falavam de onde essa doença tinha vindo. E no meio de uma dessas explicações, a televisão subitamente saiu do ar. Chuviscos preenchiam a tela e antes mesmo que pudessem trocar de canal, a luz da casa acabou.

Ficaram os dois ali abraçados, em silêncio, ouvindo o som de pessoas correndo na rua e gritando, e ambos tinham medo até de olhar pela janela. Pensavam nos filhos, nos netos, nos bisnetos e até em parentes distantes que não viam a anos.

Nessa hora ouviram o som de algo ou alguém batendo na janela. Olharam para o local e viram uma das pessoas infectadas, com todas as características que a televisão disse que tinham. Essa pessoa tentava entrar, e seu Arnaldo, mesmo com muito medo, se levantou, pediu para a esposa fica de olho e foi até os fundos casa. Ia procurar alguma coisa pra defender sua mulher caso aquela pessoa entrasse, ele estava velho, mas ainda era um homem que sabia defender sua família. Não tinham armas de fogo em casa e a melhor coisa que seu Arnaldo encontrou foi uma grande chave inglesa dentro de sua caixa de ferramentas.

Pegou a ferramenta, e medindo o peso, achou que seria o bastante para afastar alguém que lhes tentasse fazer algum mal. Nessa hora ouviu o som de vidro se quebrando e o grito de sua esposa. Correu para a sala onde estavam e viu a pessoa infectada mordendo o braço de dona Maria. Sem pensar duas vezes, seu Arnaldo bateu forte na cabeça daquela pessoa, mais monstro que humano, acertou a chave inglesa uma, duas, várias vezes, até aquilo cair no chão e parar de se mexer. O sangue escuro, quase negro, escorria pelo chão junto com pedaços do cérebro de um homem... Seu Arnaldo passou a tremer, nunca tinha matado uma pessoa, e mesmo tremendo pediu para sua esposa ter calma, pegou um kit de primeiros socorros e fez um curativo no braço machucado de dona Maria.

Depois de estancar o sangramento, choraram abraçados após se trancarem num depósito, um quarto sem uso e sem janelas onde guardavam algumas coisas velhas. Depois de um tempo, seu Arnaldo sentiu a pele da esposa ficando cada vez mais fria, ela tremia, e ele tentou confortá-la, e pouco tempo depois, dona Maria olhou para ele com aqueles olhos amarelados e sem vida e tentou mordê-lo. Seu Arnaldo se afastou rapidamente, aquela não parecia mais ser sua esposa, ela tinha sido infectada por aquela estranha doença.

Ela voltou a atacá-lo, ele a empurrou para longe. Ela se levantou e tentou atacá-lo de novo, e ele, mais por medo do que por qualquer outro motivo, agarrou a chave inglesa e acertou com força na cabeça da esposa. Destrancou a porta, saiu, trancou sua esposa dentro e foi tentar conseguir ajuda. Ter feito aquilo o abalou bastante, em mais de 50 anos nunca tinha seque ameaçado bater em dona Maria, e justamente naquele momento de desespero havia feito aquilo. Resolveu sair para a rua e ver se conseguiria alguma ajuda.

Na rua, parecia que o caos havia tomado conta. Poucas pessoas haviam, e essas corriam desesperadamente. As pessoas que tinham sido infectadas estavam parecendo animais, devorando algo que a muito parecia ser um dos vizinhos da rua. Seu Arnaldo sentiu nojo e quase vomitou, voltou em desespero para dentro de sua casa. Tentou os telefones, todos mudos. Não havia energia elétrica, num antigo rádio a pilha que encontrou, somente conseguia ouvir estática. Parecia que o mundo estava acabando, era o Apocalipse bíblico chegando até eles. Pensou nos filhos, nos netos, na esposa trancada e começou a chorar. Um turbilhão de emoções tomou conta dele e chegou a conclusão de que jamais veria sua família de novo. O fim dos tempos finalmente havia chegado e não havia nada do que ele pudesse fazer.

Nessa hora e com tais pensamentos em mente, seu Arnaldo tirou a camisa que usava. Nesta hora percebeu que era uma camisa azul, de manga curta e de botões, havia ganhado a mesma no seu aniversário do ano anterior, e havia sido justamente presente de sua esposa. Chorou mais ainda ao se lembrar disso. Pensou nos bons anos de casamento que tivera, nos bons momentos com a família, no sorriso dos netos...

Foi em direção ao quarto no qual a esposa estava trancada. Abriu a porta e o monstro que estava lá dentro olhou para ele e foi em sua direção. Deixou ser atacado e enquanto sentia os dentes de sua esposa entrando em seu pescoço, conseguiu repetir apenas para si mesmo: “na saúde e na doença”.

Amor e Cigarros

sexta-feira, 29 de abril de 2011 | Published in | 0 comentários

Aquele provavelmente era o boteco mais sujo e feio que ele já tinha entrado. Era impressionante: sujo do chão ao teto, paredes mofadas e descascando tanto quanto as velhas mesas de metal espalhadas pelo local, homens gordos e sem camisa tomavam cervejas baratas e falavam alto vendo um jogo de futebol numa televisão velha. Fabiano tinha entrada apenas para comprar uma carteira de cigarros. Um cigarro dos mais fortes para lidar com aquilo que ele sentia.

Tinha andado a esmo por um tempo, dirigindo sem rumo e remoendo antigos pensamentos. No meio desses pensamentos surgiu uma súbita e inesperada vontade de fumar, algo que ele não fazia já tinham 5 anos. Era estranho, porque o motivo pelo qual ele viria a voltar a fumar era exatamente o mesmo motivo pelo qual ele havia parado de fumar...

Quando adolescente, aconteceu a Fabiano o que acontece com qualquer adolescente fã de rock. É difícil não fumar num ambiente onde os seus maiores ídolos são fumantes inveterados e que qualquer ambiente de show possui um ar viciado em cigarros. O tempo passou e o vício foi ficando e se instalando, ao ponto de que a companhia do cigarro estava sempre presente. Amigos e mulheres iam e vinham, mas os cigarros sempre estavam lá com ele, isso é, até ela entrar na vida dele...

Ela era Natália, uma namorada que foi entrando na vida de Fabiano tão sorrateiramente quanto o cigarro havia entrado e que causava tantos problemas quanto este. Namoraram por 5 anos, e ela, por ser asmática, não podia com cheiro de cigarro. As vezes ela passava mal se Fabiano chegasse perto dela com aquele cheiro mais do que característico.

Desse jeito foi difícil o começo do namoro. Fabiano sempre com os cigarros ao seu lado e Natália passando mal até mesmo com a menção da palavra “cigarro”. Acabou que Fabiano, por ser início de namoro, passou só a fumar quando sabia que não iria encontrar com ela. Mas com o tempo, e com eles se vendo cada vez mais, gradualmente Fabiano foi deixando o cigarro de lado até ter totalmente parado. E exatamente no dia em que Fabiano e Natália tinham terminado, ao sair da casa dela, e andando a esmo ainda absorvendo o fim do namoro, ele sentiu a já mencionada súbita vontade de fumar. E foi assim que a relação de Fabiano com o cigarro, que já havia esfriado a anos retornou com força total.

As primeiras tragadas foram diferentes do esperado. Uma sensação da garganta sendo arranhada, a fumaça voltando a entrar nos pulmões, uma tosse que insistia em denunciar que havia tempo que ele não fumava... tudo isso não conseguiu impedir a volta da vontade, e em pouco tempo, a carteira de cigarros voltou a ser a companheira inseparável, quase como um amigo que a muito não se vê mas que quando se encontra com ele de novo parece que a amizade nunca acabou.

E assim continuou a vida de Fabiano e seus cigarros.

O tempo passou, e, como dizem, o tempo é capaz de curar todas as feridas. Contudo, ainda existia dentro de Fabiano uma ferida que parecia estar mal curada, uma ferida que possuía nome: Natália. Pensava muito pouco nela, mas nas poucas vezes que pensava, um sentimento forte, misto de agonia, dor e saudade, ainda lhe brotava no peito. O rosto dela de vez em quando aparecia em meio a fumaça do cigarro expelida por Fabiano.

E foi justamente num dia desses, de saudade repentina e inexplicável, que Fabiano encontrou com Natália. Coincidência, estavam ambos no mesmo bar, cada um com seu respectivo grupo de amigos.Em situações como essa ninguém nunca sabe o que fazer, mas podemos dizer que ambos sentiram a mesma coisa: um susto, seguido por um súbito calafrio, um suor repentino e por fim uma sensação de desconforto enorme. Como não havia outra forma de agir e ambos sabiam que ambos haviam se visto, sobrou apenas a opção de se cumprimentarem. Se cumprimentaram como manda o protocolo, trocaram sorrisos e uma conversa de breves amenidades e, não se sabe por iniciativa de alguém, acabou que ambos continuaram conversando, até que estavam a sós numa das mesas desse bar. O protesto de cada um dos grupos de amigos foi feito, mas por motivos inexplicáveis, tais protestos foram solenemente ignorados.

Natália se sentia bem conversando com Fabiano, somente uma coisa lhe chamava atenção: o maço de cigarros que estava sobre a mesa, ao lado do telefone celular de Fabiano. Ela não conseguia entender, afinal de contas, por várias vezes ela ouvira ele dizer que havia parado de fumar, pelo menos durante o namoro dos dois. Fabiano não conseguiu não perceber o olhar de Natália sobre o já habitual maço de cigarros e nessa hora ele percebeu que ela não sabia da volta de sua “antiga paixão” e assim antigas feridas de Fabiano se abriram de vez. Nessa hora ele pegou o maço de cigarros, olhou para eles, depois olhou no fundo dos olhos de Natália e assim soltou um longo monólogo:

- sabe Natália, eu havia parado de fumar por sua causa. Mas no dia em que terminamos, a primeira coisa que fiz foi comprar um novo maço de cigarros. Ao acender o primeiro, tinha uma sensação estranha... me fez mal, mas aos poucos eu sentia que a medida que soltava a fumaça era como se parte do que sentia por você fosse embora. Você sabia que eu tinha parado de fumar unicamente por sua causa, e durante todo nosso tempo juntos eu não senti mais falta nenhuma de cigarros. Mas foi só terminarmos que a vontade voltou com força total. Desde então voltei a fumar, e o cigarro está comigo sempre. Ele é meu companheiro e a única coisa que as vezes aplaca a dor que eu sinto no meu peito quando penso em você. Ainda sinto um pouco de raiva, de medo, de frustração, mas fumar afasta você da minha mente, afinal era uma das coisas que você mais odiava em mim.

Natália ouviu esse longo discurso, e fitou os olhos de Fabiano. Cabe aqui mencionar uma detalhe, a visão de Fabiano e Natália olhando um para o outro era um pouco desconcertante, afinal Fabiano tinha quase dois metros de altura, pele morena e cabelo sempre raspado, enquanto Natália tinha oficiais um metro e sessenta (sua verdadeira altura era inferior a isso, mas era um mistério nunca desvendado) cabelos castanhos claros e pele branca. Eles pareciam perfeitos opostos quando se encaravam.

Mas voltando a história. Como disse, Natália ouviu atenta o discurso de Fabiano e sua reação foi a mais inesperada possível. Ela se levantou, encaminhou-se em direção ao balcão do bar, sempre sob os olhares atentos de Fabiano. Ela voltou para a mesa, desembrulhou uma embalagem de chiclete, o qual tinha ido buscar no balcão, e colocou na boca de Fabiano e mandou-o mastigar. Ele obedeceu, em pouco tempo ela, com um guardanapo nas mãos, mandou Fabiano cuspir o chiclete fora. Ao cuspir o chiclete, Natália emendou um longo beijo em Fabiano. Fabiano nunca mais fumou novamente.

Infelicidade Compartilhada

domingo, 24 de abril de 2011 | Published in | 1 comentários

Ele estava com sérios problemas. Um relacionamento que ele não gostava, um emprego que ele não queria mais e uma família que lhe acabava com a paciência. O namoro começara e continuara ali, como quem não quer nada, e acabou ficando longo, tedioso, com sentimentos mortos e que somente continuava porque terminar e partir para outra era algo que dava muito trabalho e medo. O trabalho era tedioso, chato, mas pagava as contas e, infelizmente, por este motivo, o obrigava a continuar. E por fim a família, com suas insistentes cobranças de casamento e carreira não lhe davam apoio e somente serviam para aumentar o número de frustrações na qual vivia.

Ela já tinha sido muito bonita, mas o tempo e os problemas ajudaram a levar parte da beleza embora. Já estava formada a alguns anos, mas não conseguia arrumar um emprego. Tudo era sempre ou fora demais de sua área ou algo que ninguém mais queria fazer. Tinha a impressão de que os anos de faculdade haviam sido jogados no lixo e que sua vida seria para sempre uma sucessão de frustrações. Os sonhos da faculdade agora eram estranhas e distantes sombras que agora pareciam inalcançáveis. E comer acabava sendo uma boa forma de escapar dos problemas.

Ele teve a sorte de ser bem nascido. Família tradicional, rica, com bastante influência em diversos órgãos do governo. Toda a sua vida havia sido planejada desde o nascimento: o colégio onde estudou, a faculdade que cursou, o emprego que conseguiu e a rápida promoção que sucedeu. Contudo, ele sabia que quase tudo em sua vida fora escolha de seus pais. Não tinha noção da última vez que havia feito uma escolha por si mesmo, e vivia sem saber se vivia uma vida plena ou se simplesmente vivia por inércia, seguindo aquilo que seus pais indicavam. Havia chegado a uma posição que muitos invejariam, mas nunca teve certeza se era ali que queria estar.

Ela teve um filho jovem, com apenas 16 anos, e por conta disso teve que abrir mão de quase todos os seus planos. Os cursos fora do país, a faculdade em outra cidade, as experiências que teria... tudo tivera que ser jogado por fora por conta de uma gravidez indesejada. Possuía grande apoio de seus pais, mas a gravidez precoce a fez ter que abrir mão de todos os sonhos e se dedicar a outra vida, um filho cujo o pai agora parecia ignorar e a contribuição na criação era uma mísera pensão. O pai de seu filho ainda podia seguir todos os seus sonhos, e ela era obrigada a arcar com o peso da criação do filho.

Ele afogava as mágoas em copos de bebidas e relacionamentos efêmeros. Nada parecia ser permanente, a não ser o trabalho, a única coisa que era estável em sua vida. Tudo lhe era chato, e suas frustrações amorosas o levavam a cada vez mais se concentrar apenas em trabalho e aos poucos ele se afastava das pessoas. Copos de cervejas e mulheres saiam de sua vida, mas o trabalho era constante e cada vez mais saia menos. O trabalho virava sua única válvula de escape.

Os cinco tinham em comum apenas a infelicidade que cercava suas vidas e a amizade que os unia. Os encontros não eram tão freqüentes quanto deveriam nem tão divertidos quanto as lembranças mostravam, mas a amizade que tinham uns com os outros era a única coisa que alivia a infelicidade comum a todos. Juntos eles tinham o único sorriso em muito tempo, a única felicidade em muito tempo e a única real companhia em muito tempo. A amizade entre eles os dava força para continuar, e nas poucas vezes que se viam, os problemas que os cinco possuíam pareciam diminuir em frente a efêmera felicidade que tais encontros causavam.

A infelicidade de todos era compartilhada e assim a pouca felicidade que ainda possuíam e as lembranças desses bons momentos serviam de força para seguirem em frente por mais uma semana.

Cinema

segunda-feira, 4 de abril de 2011 | Published in | 4 comentários

Eu adoro cinema. Não tem jeito, não importa o quanto uma televisão fique grande, a maior TV do mundo nunca irá ser tão legal quanto ver um filme numa sala de cinema. É simples assim, um fato incontestável, a tela grande do cinema é incomparável.

Contudo, esse simples prazer vem se tornando cada vez menos prazeroso. Não que haja alguma coisa errada com o cinema em si, muito pelo contrário, o que atrapalha o cinema hoje em dia é o todo o ritual que agora se tornou obrigatório para se assistir um filme. E esse ritual está tirando toda a graça de ver um filme na tela grande.

Mas que ritual é esse? Você me pergunta, e eu respondo. Mas para isso vamos contar uma pequena história.

Você decidiu sair de casa para ver um filme. Pois bem, os problemas começam antes mesmo de sair de casa, afinal de contas escolher a sessão do filme é parte importante do ritual. Em qualquer filme, se a sessão for antes das 22 horas, você corre o risco de ficar cercado por adolescentes com hormônios em fúria, os quais irão gritar quando verem qualquer cena de beijo, de sexo ou quando um determinado ator e/ou atriz aparecer. Como eu detesto essa gritaria toda, e sei que, por mais bagunça que esses moleques façam o máximo irá acontecer com eles é ter um gerente que gentilmente irá pedir para eles se comportarem, só me resta ter a certeza de que é impossível ver um filme antes das 22 horas sem se irritar. Após as 22 a probabilidade desses problemas ocorrerem é menor, mas ainda existem.

Pois bem, escolhida a sessão das 22 horas, podemos passar a outro problema: ter que sair de casa pelo menos às 20 horas. Sim, duas horas antes. Como não mais existem cinemas que não estão dentro de shoppings, temos sempre que contar com o congestionamento para se chegar ao shopping, afinal não existe shopping em Brasília que não tenha congestionamento para chegar. Após o congestionamento para chegar ao shopping, temos a fila do estacionamento, a fila para comprar ingressos, a fila para entrar na sala de cinema, isso sem mencionar a fila para comprar pipoca a qual eu geralmente deixo de lado, afinal já estou de saco cheio de enfrentar filas.

Depois disso, finalmente podemos sentar para ver o filme. Vamos ignorar completamente o chão sujo e grudento do cinema e o fato de que cada passo é difícil, afinal os pés sempre ficam grudados na sujeira do chão.

Passemos direto pra parte boa, de sentar e ver o filme. Lembro de uma época que só existiam trailers antes do filme, agora é propaganda de bancos e sei lá mais o que. Sério, são quase meia hora de propaganda antes do filme começar de verdade.

Após ver o filme, o qual vamos supor aqui que foi tranqüilo e não teve nenhum imbecil gritando dentro da sala do cinema, vamos a mais filas: para sair da sala de cinema, para pagar o estacionamento, para sair do shopping...

São dezenas de filas para um simples ato de ver um filme. Chegamos ao ponto de que ver um filme no cinema se tornou uma atividade estressante. Precisamos passar por todo esse ritual apenas para vermos um simples filminho.

Sinceramente, depois de tudo isso, ainda tem gente que vem reclamar de pirataria. Um filme pirata me afasta desse ritual moderno e bizarro. Mas eu admito, se resolvessem os problemas acima descritos eu pagaria até o dobro pra ver um filme.

O Primeiro Beijo

domingo, 6 de março de 2011 | Published in | 2 comentários

- quer se casar comigo?

A frase foi dita de forma súbita, seca, sem o mínimo preparo. E justamente por isso ela soou tão autentica. Era algo que já vinha sendo amadurecido no fundo da mente de Carlos, mas até então ele nunca havia pensado em dizê-la, ainda mais dessa forma.

Estavam ele e Mariana, sua namorada de já 4 anos, deitados no sofá, vendo um filme na televisão. Estavam na casa de Carlos, que ainda morava com seus pais, e o filme que viam não fazia a menor referência a casamentos ou a romance. Para falar a verdade, Carlos nem mesmo prestava atenção ao filme. Estava sentindo o cheiro dos cabelos de Mariana, e isso o distraia, e justamente em meio a esse cheiro inebriante que ele, sem nem pensar duas vezes, virou sua namorada para si, de forma que pudesse olhar no fundo dos olhos verdes dela, e soltou a frase que começou toda essa história.

Mariana, simplesmente olhou fundo nos olhos de Carlos, mais profundamente do que ele olhava nos olhos dela. Ela sabia que eles namoravam já a bastante tempo, mas ficou de certa forma desconcertada com a pergunta e principalmente por esta ter acontecido de forma tão súbita. Contudo, respondendo no tom mais natural possível, simplesmente perguntou:

- Por que essa pergunta justamente agora?

- Bem, eu te amo. Namoramos a bastante tempo e agora eu consegui um emprego melhor, ganhando bem melhor. Acho que está na hora de nos casarmos.

Essa resposta de Carlos foi bem direta, e extremamente correta. O casamento sempre foi visto pelos dois como um plano distante, algo a ser discutido e pensado no futuro, quando ambos estivessem melhores consolidados em suas respectivas profissões. Ocorre que o futuro a tanto adiado finalmente chegou e ambos sabiam que casar seria o próximo passo lógico.

Por um tempo ficaram os dois ali, em silencio, olhando nos olhos um do outro. Estranhos pensamentos passavam pela cabeça dos dois. Na de Carlos, ele pensava em como seria sua vida dali em diante, alugar apartamento, comunicar aos amigos, etc. A mente de Mariana estava em outro lugar, distante, e num único pensamento, o qual saberemos mais tarde. Por fim, Mariana respirou fundo, e ainda olhando nos olhos de Carlos disse:

- Preciso de uma semana pra te dar a resposta. Nesse tempo, preciso que você me deixe só. Ao final dessa semana, eu te direi minha resposta.

Dessa vez foi Carlos quem ficou desconcertado. Não esperava por essa resposta, afinal eles estavam juntos a anos, dormiam na casa um do outro e se viam praticamente todo dia. Não haviam motivos para a recusa. Carlos tentou controlar o que sentia, se fechou com suas dúvidas. Ele sempre foi tímido e calado, do tipo que mal conseguia dividir problemas com amigos mais próximos. Além disso, sempre foi muito racional e calmo. E justamente devido a essas duas últimas características é que Carlos também respirou fundo, conteve a frustração e disse:

- Se é o que você precisa, então tudo bem...

Mariana e Carlos se beijaram, de forma simples e rápida. Esse beijo não passou de um simples selo, apenas lábios se tocando. Mariana pegou suas coisas e saiu e ambos não disseram mais nenhuma palavra com o outro durante a semana seguinte.


- Você ainda me ama?

Essa frase foi dita também de forma seca, direta, quase bruta... As mesas ao redor do bar onde estavam pareciam não prestar atenção ao que acontecia naquela mesa, onde uma mulher de profundos olhos verdes olhava fundo nos olhos de um homem de longos cabelos pretos e olhos castanhos. Paulo, esse homem, sentiu as pernas levemente bambas ao ouvir a pergunta de forma tão direta. Jamais imaginava que ouviria aquelas palavras ainda mais depois de tanto tempo. Na verdade Paulo amava Mariana, ou pelo menos já tinha amado... No dia em que se conheceram, ainda no primeiro semestre da faculdade que faziam juntos, Paulo sentiu algo diferente. Mariana vinha pelo corredor, andando e procurando uma determinada sala, ela estava de vestido rosa que realçavam ainda mais o verde de seus olhos e Paulo se apaixonou por ela nesta simples e primeira visão, pois ao vê-la, parecia que não haviam mais de mil calouros ao redor dos dois naquela manhã.

Descobriram que faziam o mesmo curso e uma amizade começou, ou melhor, uma amizade começou para Mariana, pois Paulo, mesmo não acreditando em amores a primeira vista, amava Mariana cada vez mais a cada nova característica dela que conhecia. Na época Paulo namorava, e Mariana acabara de terminar um longo namoro, e nos 10 anos que se conheciam nunca ambos estavam solteiros ao mesmo tempo. Parecia um desencontro programado feito para que nunca desse certo. A amizade dos dois era estranha, mesmo não tendo os mesmos gostos, eram mais parecidos do que imaginavam, chegando quase a completar frases um do outro, ou nem mesmo precisar falar para que um soubesse que o outro estava feliz ou triste. Para Paulo, ver Mariana tornava o dia melhor. E todo esse turbilhão de sentimentos Paulo guardava dentro de si durante todo esse tempo, pois nunca falara para Mariana o que sentia.

A cabeça de Paulo fervilhava. E se perguntava como ela poderia saber? Mas essa pergunta já tinha resposta, que Paulo sempre soube: era impossível não perceber na forma como ele olhava para Mariana. Ela sempre o flagrava olhando pra ela quando no meio de reuniões de amigos eles se encontravam. Era óbvio os sentimentos de Paulo, pelo menos para Mariana. Ela sempre soube, e ele sempre soube que ela sabia. Aqueles olhos verdes eram capazes de ver o mais íntimo dos sentimentos de Paulo, e era isso que fazia com que Paulo amasse mais ainda Mariana.

Nesse momento Paulo respirou fundo, olhou no fundo dos olhos de Mariana, aqueles olhos que ambos sabiam que ele nunca conseguia mentir quando olhava dentro deles, e disse:

- Já amei. Hoje em dia, acho que não mais.

As palavras de Paulo saiam espontâneas e eram ouvidas por Mariana que simplesmente olhava no fundo dos olhos dele. Mariana apenas disse:

- Achava que a resposta seria essa, a forma como seus olhos me olham mudou nos últimos anos.

E realmente mudaram. Não fazia muito tempo, um ano no máximo. Estavam ambos em um churrasco na casa de um amigo em comum. Paulo estava solteiro, e Mariana estava com Carlos. Cabe aqui um adendo: Carlos nunca soube dessa conversa e nunca soube dos sentimentos de Paulo. Carlos até tinha profunda amizade por Paulo assim como Paulo por Carlos.

Voltando a história do churrasco. No fim do dia, todos já estavam meio bêbados e o churrasco chegava ao fim, nessa hora Mariana sentou no colo de Carlos e lhe deu um beijo e passou um tempo olhando pra ele e acariciando seu cabelo, enquanto Carlos encostava seu rosto junto ao peito de Mariana. Era uma cena de carinho, de amor, e de profundo tristeza para Paulo que assistia a tudo. Aquela cena mostrou para Paulo que Mariana nunca olharia para ele daquela forma, e nessa hora a tristeza tomou conta dele e ele ficou remoendo uma série de sentimentos dentro de si. Em pouco tempo Paulo se levantou, avisou a todos que iria embora. Ninguém estranhou por conta do estado de fim de festa. Paulo se levantou, saiu, sentou em seu carro e chorou por saber que nunca teria Mariana olhando para ele daquela forma, mas ao mesmo tempo se sentia bem por saber que alguém a fazia feliz. E chorando ele deu a partida em seu carro, chorando ele dirigiu para casa e nunca mais seus olhos olharam para Mariana do mesmo jeito. Todo o amor que ele tinha pareceu se esvair com cada uma das lágrimas que derramou.

Paulo contou a história acima para Mariana, que ouvia a tudo atenta, esperando pelo desfecho que já contamos. Esse relato expôs os sentimentos de Paulo de forma a qual ele nunca tinha feito em sua vida. Era estranho falar de forma tão aberta sobre um segredo que a muito vinha sendo guardado e que, a medida que ia sendo revelado, perdia a sua importância. Ao fim do relato um profundo silêncio se abateu sobre os dois, um silêncio que não incomodava, mas na verdade parecia aliviar os sentimentos de ambos. No meio desse silencio os olhos pararam de se encontrar, na verdade passaram até mesmo a se desviarem. Uma verdade a muito guardada fora dita, mas mesmo se sentindo aliviado, Paulo não queria olhar nos olhos de Mariana, e Mariana também não se sentia confortável para os olhos de Paulo. E continuaram assim por um tempo, e em silêncio pagaram a conta e saíram do bar onde estavam.

Paulo acompanhou Mariana até o carro dela, ainda em silêncio. Antes de entrar no carro, Paulo e Mariana se olharam novamente, navegando nas profundezas dos olhos de cada um. Seus rostos de aproximaram, eles se abraçaram e finalmente se beijaram longamente. O mundo pareceu parar durante aquele beijo, um beijo que estava a mais de 10 anos sendo aguardado e se consumou num momento único para os dois.

Aquele beijo continha todas as respostas que precisavam. Aquele simples beijo mostrou a ambos que, talvez, se tivesse ocorrido anos antes uma história de amor poderia ter acontecido. Mas infelizmente todas as coisas tem um tempo, e o tempo de ambos havia passado. Poderiam ter sido um casal feliz, mas o tempo para isso já havia ocorrido. Os lábios colados tinham a resposta de que Paulo e Mariana jamais deveriam ficar juntos.

Os lábios de Paulo e Mariana se separaram, mas ainda continuaram abraçados sentindo o calor um do outro. Por fim se separaram de vez. Mariana entrou em seu carro e foi direto para a casa de Carlos, onde aceitou o pedido de casamento.

A amizade de Paulo e Mariana continuou, sendo Paulo padrinho de casamento de Mariana. A prova de que o sentimento entre os dois havia acabado foi o beijo que selou o fim de um amor de uma década e ambos, Paulo e Mariana, foram felizes em suas vidas, ou pelo menos felizes na medida que a felicidade é possível para as pessoas.