Amor e Cigarros

sexta-feira, 29 de abril de 2011 | Published in | 0 comentários

Aquele provavelmente era o boteco mais sujo e feio que ele já tinha entrado. Era impressionante: sujo do chão ao teto, paredes mofadas e descascando tanto quanto as velhas mesas de metal espalhadas pelo local, homens gordos e sem camisa tomavam cervejas baratas e falavam alto vendo um jogo de futebol numa televisão velha. Fabiano tinha entrada apenas para comprar uma carteira de cigarros. Um cigarro dos mais fortes para lidar com aquilo que ele sentia.

Tinha andado a esmo por um tempo, dirigindo sem rumo e remoendo antigos pensamentos. No meio desses pensamentos surgiu uma súbita e inesperada vontade de fumar, algo que ele não fazia já tinham 5 anos. Era estranho, porque o motivo pelo qual ele viria a voltar a fumar era exatamente o mesmo motivo pelo qual ele havia parado de fumar...

Quando adolescente, aconteceu a Fabiano o que acontece com qualquer adolescente fã de rock. É difícil não fumar num ambiente onde os seus maiores ídolos são fumantes inveterados e que qualquer ambiente de show possui um ar viciado em cigarros. O tempo passou e o vício foi ficando e se instalando, ao ponto de que a companhia do cigarro estava sempre presente. Amigos e mulheres iam e vinham, mas os cigarros sempre estavam lá com ele, isso é, até ela entrar na vida dele...

Ela era Natália, uma namorada que foi entrando na vida de Fabiano tão sorrateiramente quanto o cigarro havia entrado e que causava tantos problemas quanto este. Namoraram por 5 anos, e ela, por ser asmática, não podia com cheiro de cigarro. As vezes ela passava mal se Fabiano chegasse perto dela com aquele cheiro mais do que característico.

Desse jeito foi difícil o começo do namoro. Fabiano sempre com os cigarros ao seu lado e Natália passando mal até mesmo com a menção da palavra “cigarro”. Acabou que Fabiano, por ser início de namoro, passou só a fumar quando sabia que não iria encontrar com ela. Mas com o tempo, e com eles se vendo cada vez mais, gradualmente Fabiano foi deixando o cigarro de lado até ter totalmente parado. E exatamente no dia em que Fabiano e Natália tinham terminado, ao sair da casa dela, e andando a esmo ainda absorvendo o fim do namoro, ele sentiu a já mencionada súbita vontade de fumar. E foi assim que a relação de Fabiano com o cigarro, que já havia esfriado a anos retornou com força total.

As primeiras tragadas foram diferentes do esperado. Uma sensação da garganta sendo arranhada, a fumaça voltando a entrar nos pulmões, uma tosse que insistia em denunciar que havia tempo que ele não fumava... tudo isso não conseguiu impedir a volta da vontade, e em pouco tempo, a carteira de cigarros voltou a ser a companheira inseparável, quase como um amigo que a muito não se vê mas que quando se encontra com ele de novo parece que a amizade nunca acabou.

E assim continuou a vida de Fabiano e seus cigarros.

O tempo passou, e, como dizem, o tempo é capaz de curar todas as feridas. Contudo, ainda existia dentro de Fabiano uma ferida que parecia estar mal curada, uma ferida que possuía nome: Natália. Pensava muito pouco nela, mas nas poucas vezes que pensava, um sentimento forte, misto de agonia, dor e saudade, ainda lhe brotava no peito. O rosto dela de vez em quando aparecia em meio a fumaça do cigarro expelida por Fabiano.

E foi justamente num dia desses, de saudade repentina e inexplicável, que Fabiano encontrou com Natália. Coincidência, estavam ambos no mesmo bar, cada um com seu respectivo grupo de amigos.Em situações como essa ninguém nunca sabe o que fazer, mas podemos dizer que ambos sentiram a mesma coisa: um susto, seguido por um súbito calafrio, um suor repentino e por fim uma sensação de desconforto enorme. Como não havia outra forma de agir e ambos sabiam que ambos haviam se visto, sobrou apenas a opção de se cumprimentarem. Se cumprimentaram como manda o protocolo, trocaram sorrisos e uma conversa de breves amenidades e, não se sabe por iniciativa de alguém, acabou que ambos continuaram conversando, até que estavam a sós numa das mesas desse bar. O protesto de cada um dos grupos de amigos foi feito, mas por motivos inexplicáveis, tais protestos foram solenemente ignorados.

Natália se sentia bem conversando com Fabiano, somente uma coisa lhe chamava atenção: o maço de cigarros que estava sobre a mesa, ao lado do telefone celular de Fabiano. Ela não conseguia entender, afinal de contas, por várias vezes ela ouvira ele dizer que havia parado de fumar, pelo menos durante o namoro dos dois. Fabiano não conseguiu não perceber o olhar de Natália sobre o já habitual maço de cigarros e nessa hora ele percebeu que ela não sabia da volta de sua “antiga paixão” e assim antigas feridas de Fabiano se abriram de vez. Nessa hora ele pegou o maço de cigarros, olhou para eles, depois olhou no fundo dos olhos de Natália e assim soltou um longo monólogo:

- sabe Natália, eu havia parado de fumar por sua causa. Mas no dia em que terminamos, a primeira coisa que fiz foi comprar um novo maço de cigarros. Ao acender o primeiro, tinha uma sensação estranha... me fez mal, mas aos poucos eu sentia que a medida que soltava a fumaça era como se parte do que sentia por você fosse embora. Você sabia que eu tinha parado de fumar unicamente por sua causa, e durante todo nosso tempo juntos eu não senti mais falta nenhuma de cigarros. Mas foi só terminarmos que a vontade voltou com força total. Desde então voltei a fumar, e o cigarro está comigo sempre. Ele é meu companheiro e a única coisa que as vezes aplaca a dor que eu sinto no meu peito quando penso em você. Ainda sinto um pouco de raiva, de medo, de frustração, mas fumar afasta você da minha mente, afinal era uma das coisas que você mais odiava em mim.

Natália ouviu esse longo discurso, e fitou os olhos de Fabiano. Cabe aqui mencionar uma detalhe, a visão de Fabiano e Natália olhando um para o outro era um pouco desconcertante, afinal Fabiano tinha quase dois metros de altura, pele morena e cabelo sempre raspado, enquanto Natália tinha oficiais um metro e sessenta (sua verdadeira altura era inferior a isso, mas era um mistério nunca desvendado) cabelos castanhos claros e pele branca. Eles pareciam perfeitos opostos quando se encaravam.

Mas voltando a história. Como disse, Natália ouviu atenta o discurso de Fabiano e sua reação foi a mais inesperada possível. Ela se levantou, encaminhou-se em direção ao balcão do bar, sempre sob os olhares atentos de Fabiano. Ela voltou para a mesa, desembrulhou uma embalagem de chiclete, o qual tinha ido buscar no balcão, e colocou na boca de Fabiano e mandou-o mastigar. Ele obedeceu, em pouco tempo ela, com um guardanapo nas mãos, mandou Fabiano cuspir o chiclete fora. Ao cuspir o chiclete, Natália emendou um longo beijo em Fabiano. Fabiano nunca mais fumou novamente.