CHOCOLATE

Hoje foi um dia que eu acordei com uma idéia fixa percorrendo minha mente desde o amanhecer: comer chocolate. Mas não era qualquer chocolate, tinha que ser um talento, como castanhas do Pará dentro, e sim, eu estava disposto a pagar três reais numa simples barrinha de chocolate, era tudo o que eu queria pra passar o dia. E no ônibus indo pra aula da pós-graduação, fiquei me lembrando dos camelôs vendendo doces nas paradas da W3 Sul, afinal eles sempre tem talento pra vender, e eu ia satisfazer esse meu desejo fácil fácil.
Cheguei na aula, coloquei meu material na carteira e fui beber uma água, mas o pensamento no maldito chocolate me perseguia. Eu podia sentir o gosto doce na minha boca, o aroma... tudo. Nem mesmo consegui prestar atenção na aula, apenas pensando no chocolate...
Tomei a decisão óbvia que se podia fazer numa situação dessas: desisti da aula e fui atrás do meu querido chocolate, ou melhor, tenho que falar a verdade, desisti da aula porque o professor era ruim e eu tinha muito trabalho pra fazer no escritório (sou advogado e de vez em quando eu realmente tenho muito o que fazer), mas no caminho com certeza eu ia encontrar alguém vendendo o talento que eu tanto queria. Infelizmente, estava enganado, nem nos camelôs das paradas nem em canto nenhum tinha esse chocolate, eu ainda consegui encontrar uma única banca que vendia aqueles talentos pequenos, mas me recusei a comprar, queria um dos grandes (além disso, o dessa banquinha tava meio estranho, parecia que alguém tinha pisado na embalagem...).
No trabalho, a idéia do doce não saiu da minha cabeça, eu babava pensando no sabor do doce e a minha concentração ia embora...
Na hora do almoço eu resolvi voltar pra casa, tinha que tomar um banho e boto o paletó e a gravata, tinha uma audiência as duas da tarde, mas a vontade de comer o chocolate não tinha passado. No caminho pra parada fui parando de lanchonete em lanchonete pra ver se eles tinham a droga desse maldito chocolate... e nada!
De tarde, hora de pegar a moto, sair, ia pra minha audiência, depois correr de fórum em fórum, e tudo isso com aquela, já maldita depois de tanto tempo, vontade de devorar uma enorme barra de talento. E ao final do dia, ainda não tinha encontrado o meu tão sonhado talento.
Em caso depois de um dia de trabalho, de noite, após ter jantado, eu não resisti. Foi mais forte do que eu. Eu peguei o carro e dirigi até a padaria mais próxima. A essa hora o chocolate já era necessidade, eu realmente precisava de uma boa dose. E por milagre, pela primeira vez no dia, eu encontrei o tão sonhado chocolate, ele estava lá, como esperando por mim. Tirar a embalagem foi como tirar a roupa de uma bela mulher, a preliminar de um momento onde eu desfrutaria do prazer do doce que me foi privado durante todo o dia. Comer toda aquela barra foi como ter um pequeno orgasmo, um orgasminho por assim dizer (orgasminho? Acho que essa foi a palavra mais feia que já usei na vida). E naquele momento, pós-chocolate, ainda meio ofegante, com uma enorme vontade de fumar um cigarro, comecei a pensar comigo mesmo algumas coisas:
A primeira coisa que lembrei foi que uma vez eu admiti num grupo de amigos que eu sou viciado em chocolate. Eu realmente não consigo passar mais do que uma semana sem comer esse maldito derivado de cacau, acho que é por isso que me dá tantas sensações bizarras. A outra coisa que lembrei foi o que um amigo meu me falou após essa confissão. Ele me disse: “Thiago, mulheres é que são viciadas em chocolate. Homens não gostam de doces. Se você gosta de chocolate e é viciado assim, então você é uma mulher”, e pensando nisso eu fiquei imaginando que eu realmente devo ser mulher, afinal se esse meu amigo estiver certo, eu prefiro ser taxado de mulher do que ser privado de chocolate...
Mas esse último pensamento me trouxe a outro. Eu gosto muito de mulheres, adoro mulheres, acho mulheres lindas, e sou apaixonado por todas elas, e se eu posso ser considerada uma “mulher” e se eu gosto tanto assim de mulheres, bem, eu obviamente devo ser lésbica... Oh, eu sou lésbica! É uma estranha descoberta, não quero nem imaginar como minha família pode reagir a isso. E no fim desses pensamento resolvi tomar uma decisão, vou procurar uma associação de lésbicas e ver se elas me aceitam, afinal, eu acabei de sair do armário.