O chão era coberto por carpete e os móveis eram todos de um tom claro feito para imitar perfeitamente madeira. Já havia passado pouco além das 18 horas, e como já era de se esperar em prédios públicos, aquele se encontrava praticamente vazio, com apenas alguns funcionário terceirizados da limpeza indo e vindo. E era nesse ambiente que ele esperava em frente ao computador. Já havia lido aquele relatório umas 3 ou 4 vezes e mesmo assim lia de novo, pois na verdade ele simplesmente não queria voltar pra casa. Ficar até tarde no trabalho, mesmo sem fazer nada simplesmente era uma desculpa pra ficar um pouco sozinho por lá.
Mexeu nos mesmos papeis novamente, e a vontade de ir para casa não vinha. Em casa, os pais lhe esperavam, mas mesmo assim a vontade de ir embora não vinha. O trabalho em si era monótono, repetitivo, mas pagava as contas. O problema era que sempre ficava para trás uma sensação estranha, como se estivesse faltando algo, e quase todos os dias ele se via olhando para o nada e pensando:
- Será que a vida é só isso?
Era um ambiente estéril como se espera de qualquer hospital. O cheiro de éter era bem característico e o fluxo de pessoas indo e vindo era constante. Já fazia 2 anos que ela trabalhava naquele hospital e quase todos os dias eram iguais aos outros, apesar da variedade de casos que se sucediam.
Ela tinha ralado muito para estar ali, faculdade de medicina não é fácil. A aprovação, o curso, a residência, tudo é complexo, extenso, cansativo, mas agora que o dito sucesso finalmente veio e ela começava a praticar a profissão que sempre sonhou, uma sensação de vazio ia e vinha e batia muito forte, e sempre parecia que algo estava faltando.
Os plantões noturnos eram onde essa sensação vinha mais forte. As vezes, quando o fluxo de pacientes começava a rarear, ela saia para fumar um cigarro, e olhando para o escuro céu da noite ela repetia para si mesma:
- Será que a vida é só isso?
Dizer que a vida dele tinha sido difícil seria uma das maiores mentiras que se pode contar. Ele fazia parte de uma minoria muito seleta da sociedade: aqueles que nasceram ricos. O pai havia enriquecido com uma série de empresas que ele nunca soube ao certo o que faziam. O velho pai trabalhava quase todos os dias da semana e talvez por esse motivo tenha morrido tão sedo, fazendo com que o filho único, na época com vinte e poucos anos, herdasse uma fortuna que faria com que nunca precisasse trabalhar na vida.
Com dinheiro e sem precisar trabalhar a vida virou uma festa. Modelos, atrizes, álcool, drogas, luxo e conforto, tudo se sucedia na vida dele de uma forma que os simples trabalhadores somente podem sonhar. Mas as vezes, quando a ressaca dava um tempo e sua cabeça para de doer ele pensava se aquilo tudo não seria meio vazio, quase como se apenas se divertir o tempo todo não tivesse significado algum.
Numa noite, após sexo e bebedeira com uma mulher que ele nem se lembrava o nome, ficou acordado olhando para o teto e sentindo o cheiro do suor dela. E nesse momento se pôs a pensar:
- Será que a vida é só isso?
A pele era precocemente enrugada, marcada pelo trabalho ao sol. Mesmo com a roupa de proteção que usava o trabalho era duro. O sol era inclemente e a chuva trazia sempre o frio. Ela trabalhava como gari numa empresa de limpeza urbana, e depois de certo tempo já tinha se acostumado a acordar cedo e ao pouco luxo que a vida lhe concedia, mas essa era a única forma que cuidar dos três filhos que tinha. Marido? Esse a tinha abandonado quando as crianças ainda eram pequenas e desde então a vida parecia ter sido mais dura.
Vivia num bairro pobre e sempre voltava pra casa com medo. Medo de assalto, medo da violência, mas acima de tudo medo de que o filho mais velho acabasse indo para o crime, e de todos esse medo era o maior e o mais presente.
De vez em quando, esperando o filho mais velho voltar de lugares que ele nunca contava quais eram, ela ficava enrolada num cobertor puído vendo a programação da madrugada da TV e pensando consigo mesma:
- Será que a vida é só isso?
“Deus é o que existe de mais importante e seguir seus mandamentos é a obrigação de todos”, esse era o pensamento que estava sempre na cabeça dela, uma mulher de classe média que a pouco passara dos 40 anos. Trabalhava, cuidava de casa, marido e filhos e ainda arrumava tempo para ajudar na igreja.
Trabalho voluntário, obras assistenciais, ajudar o próximo, era visto como um dever, coisas que ela fazia por amor, apesar da aparente contradição. Mas as vezes ela se pegava pensando se o seu trabalho não era inócuo, afinal por mais que tentasse ajudar os outros, sempre haveriam muitos mais que precisam ser ajudados. Não importava o quanto fizesse, sempre era pouco e daí vinha uma sensação de vazio, quase como se algo sempre estivesse faltando.
As vezes, podia ser no meio da missa ou ajudando em alguma obra da igreja, ela se via imersa em seus pensamentos e pensando:
- Será que a vida é só isso?
Infelizmente todas as vidas se perguntam se a vida é apenas isso mesmo. Apenas uma sucessão de acontecimentos que não sabemos para onde vão ou de onde vem. Falta um propósito e quando encontramos esse propósito é impossível saber se é verdadeiro ou não. E justamente por isso, quanto mais se pensa no assunto, mais certeza se tem de que sim, aparentemente a vida é apenas isso, e não há nada além, nada mais a se fazer, apenas viver da melhor forma possível.
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