Uma Crônica de Segunda #9

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012 | Published in | 0 comentários

Se eu posso dizer que algum dia um disco mudou a minha vida, sem a menor sombra de dúvida esse disco foi “A Besteira é a Base da Sabedoria” do cantor brega Falcão. É o terceiro disco da carreira dele, lançado em 1995, e é um disco que sem ele eu jamais seria a pessoa que eu sou hoje em dia.
Vou explicar melhor. É inegável a influência da música na vida de uma pessoa, e os gostos musicais de alguém dizem muito sobre esse alguém.
Nos idos dos anos 90, meus pais gostavam de viajar para a praia, e devido a crises econômicas constantes na história recente do Brasil, costumávamos viajar de carro. Passagens de avião eram absurdamente caras na época. Essas viagens implicavam 2 ou 3 dias pelo interior do Brasil, fechado num carro, até chegar em alguma capital do nordeste e assim conseguir um pouco de praia, sol e descanso. Para agüentar uma viagem longa dessas, só a base de muita música no carro, e devido aos gostos musicais do meu pai, Falcão era uma presença constante.
E ouvindo esse disco do Falcão (um lançamento na época) eu me deparo com uma música chamada “Se eu morrer sem gozar do seu amor, minha alma lhe persegue de pau duro”, que tinha uma estrofe que dizia:
Quem em frente à sua casa tinha um poste,
Você gostava de um tal de Renato Russo
- e eu de xote
            Nessa hora perguntei para minha mãe: “Quem é esse Renato Russo?” Ela me respondeu que me daria um disco dele quando voltássemos de viagem. E foi assim que eu ganhei o disco Quatro Estações da Legião Urbana.
            Eu ouvi esse disco quase até destruí-lo. Passei a economizar todo dinheiro que tinha para comprar outros discos da Legião. Depois só Legião não bastava, passei a ouvir as bandas de Brasília da época: Capital Inicial, Plebe Rude, Escola de Escândalos, bandas difíceis de se ouvir numa época sem mp3 e downloads.
            Corria atrás de entrevistas antigas do Renato Russo, e tudo que ele falava que tinha sido sua influência eu comecei a procurar para ouvir: Sex Pistols, The Clash, The Smiths, até mesmo Led e outras bandas de rock clássico comecei a ouvir por conta de indicações do Renato Russo. E a partir daí minha vida nunca mais foi a mesma e eu virei um escravo do meu gosto musical.
            Nunca mais deixei o rock de lado, e só ampliei o que eu já ouvia. E tudo isso por conta de uma música do Falcão. Um brinde a esse cantor brega.

Brincadeiras de Criança

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012 | Published in | 1 comentários

Crianças não são seres totalmente inocentes. Crianças são seres de sinceridade cruel que vivem num mundo de regras próprias, regras que esquecemos como funcionam a medida que ficamos mais velhos.
Leila não sabia o significado dessas palavras. Pra ela deveria ser apenas um bando de coisas complicadas que ela não entendia, e nem queria entender, afinal ela tinha preocupações maiores. Ter oito anos não é algo fácil, ainda mais quando se é mais alta do que todos os meninos da turma, ou pior ainda, quando se é um pouco mais cheinha que as outras meninas e sua mãe faz questão de sempre cortar o seu cabelo deixando-o bem curto. Ser chamada de “menino” de “homem” de outros derivados era comum, e isso a machucava por dentro de formas que não podemos imaginar.
As vezes a turma era organizada em ordem de altura, e Leila se sentia ainda mais constrangida quando era obrigada a ficar sempre no último lugar da fila. E isso era apenas mais um motivo para ser alvo de gozação dos meninos da turma dela no colégio.
Por várias vezes ela quis chorar, e na maioria das vezes ela chorou mesmo. Ficava pedindo para ser menor ou para ser diferente... Um dia, durante uma sessão de gozações feitas pelos meninos da turma durante o recreio a raiva tomou conta de Leila. Ela não sabe direito como, nem porque, mas conseguiu agarrar um dos garotos que lhe fazia gozação e deu-lhe um belo chute nos órgãos genitais. Mesmo em crianças, um chute nessa área dói bastante, e o garoto ficou ajoelhado e chorando por um tempo até que a professora veio.
Não adiantou explicar muito a questão das gozações, da raiva ou o que fosse, Leila foi castigada por ter agredido um “coleguinha de sala”. Bem, ele não era coleguinha nenhum, era só um garoto que ria dela, e que mereceu o chute, mas mesmo assim quem foi punida foi ela, não o garoto.
Depois desse episódio as brincadeiras maneiraram, mas só por um tempo. Pouco a pouco foram voltando, e Leila agora sentia medo de revidar. Um outro dia, tomada pela raiva após mais uma sessão de brincadeiras de gosto duvidoso, acabou correndo atrás de um outro garoto e deu-lhe um forte tapa nas costas que o derrubou no chão. O garoto rolou, se levantou, olhou pra ela e riu. Um outro garoto fez outra brincadeira e ela o agarrou e deu-lhe um belo tapa nas costas também, e esse também riu.
            Isso passou a ser uma brincadeira freqüente. Eles riam de Leila, ela corria atrás dos garotos e tentava pegar alguns deles. Para os garotos do colégio aquela passou a ser uma brincadeira cada vez mais divertida, cujo prêmio era para aquele que conseguia fugir dos longos braços da garota. E Leila, sem saber direito os motivos acabava por até mesmo gostar de bater naqueles garotos.

            O tempo, inexorável como sempre passou. As pessoas cresceram, seguiram suas vidas e a infância foi deixada para trás com algumas marcas que só ela consegue deixar. Leila também cresceu, como era de se esperar. Hoje em dia continua bem mais alta do que se esperaria para uma mulher, mas não tão alta assim. A adolescência lhe deu curvas que lhe tiraram o aspecto de “cheinha”. Quanto a bater nos garotos? Ela ainda faz isso, mas cobra caro para fazê-lo. E sempre que ela, vestida de couro e de chicote em mãos, pensa naquele que irá receber seus castigos, acaba se lembrando que agora sabe muito bem os motivos pelos quais ela ama bater nos garotos. 

Condomínio

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012 | Published in | 0 comentários

Era um condomínio exclusivo fechado, mas bem fechado mesmo, tanto é que atualmente só tinha 12 habitantes. Já tinha havido outros habitantes, as vezes mais, as vezes menos, mas o importante é que já haviam séculos que eram apenas aqueles mesmo doze habitantes.
Eles estavam organizando sua festa de fim de ano, a qual seria no mesmo lugar de sempre. Seria ali, entre a casa de Dezembro e a casa de Janeiro, mas deixar para esses dois a organização de qualquer coisa era difícil. Dezembro era um cara gordo, comilão e beberrão, uma festeiro nato, que costuma resolver todos os problemas jogando-os para serem resolvidos por Janeiro. E Janeiro por sinal também não eram nenhum exemplo de organização, afinal de contas mesmo quando tinha que trabalhar, sua cabeça sempre estava numa praia, nas suas “merecidas férias”, ele era um eterno preguiçoso que adorava deixar os problemas para serem resolvidos depois. E acabava que por isso a festa nunca era das mais organizadas, tendo apenas dia e hora para ocorrer, mas nunca exatamente se sabia o que iria acontecer.
Os outros convidados da festa eram também peculiares. O que Janeiro tinha de preguiçoso, Fevereiro tinha de festeiro, sua cabeça sempre estava no carnaval, no pré-carnaval, no pós-carnaval, na ressaca do carnaval, e os problemas que herdava de Janeiro eram jogados pra frente também.
Já Março era um tipo chato. Não se sabe se era chato por ser chato mesmo ou se era chato apenas porque era obrigado a resolver os problemas de Fevereiro, Janeiro e até mesmo de Dezembro. Abril era um conformado, que só pensava em trabalho, pois sabia que as festas eram deixadas para os demais, e tinha como único descanso o almoço de família de um certo feriado religioso.
Maio era o mais trabalhador de todos. Era aquele que sabia que as festas tinham acabado e que era ele que tinha que tomar decisões, até mesmo decisões de casamento. Junho era um tipo estranho, frio as vezes, calorento as vezes, mas gostava de cidades do interior, e gostava tanto que sempre fazia uma festa para celebrar isso. A única coisa que incomodava Junho era que seu irmão Julho andava copiando demais suas festas, Julho nunca teve muita personalidade mesmo.
Agosto era seco e ríspido, Setembro costumava ser mais agradável e aliviava a secura de Agosto. Outubro era outro festeiro, mas um festeiro que sabia quando parar, apesar de adorar cerveja.
E novembro era neurótico. Novembro sabia que se não fosse ele para resolver um problema, somente Março iria resolver. Nunca podia contar com Dezembro, Janeiro e Fevereiro para resolver nada.
Esses tipos se reuniam todos os anos para celebrar. Eram tipos diferentes e por mais diferentes que fossem conviviam e não mudavam nunca. 

Uma Crônica de Segunda #8

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012 | Published in | 0 comentários

Todo começo de ano é a mesma coisa. É sempre a mesma conversa sobre tempo de renovação, de novas esperanças, de começar de novo... O problema é que toda essa conversa sobre renovação se mostra meio vazia, afinal de contas a contagem de tempo é importante apenas para nós, humanos.
Pensemos bem, foi ano novo apenas para 1/3 do mundo. Existe toda uma gama de pessoas que não foram afetadas por todas as festividades pelas quais passamos. Além disso, somos apenas uma única espécie que habita esse planeta, e para todas as outras o ano novo é apenas mais um dia. O ano novo foi (e continua sendo) apenas uma marca num papel, num calendário, um dia arbitrário criado por uma pessoa a muito tempo atrás e, como já dito, atinge apenas 1/3 da humanidade.
Então porque se importar tanto com essa data? A resposta é simples: necessidade de renovação. Como humanos temos necessidade de renovar nossas vidas de vez em quando, mesmo que essa renovação seja apenas uma vã esperança que jamais possa ser cumprida. Um ano novo é uma data arbitrária que serve apenas para a nossa necessidade de nos renovar, e seja qual ano novo estejamos comemorando, o desejo de mudar, de fazer algo novo é inerente.
Essa é a importância da data, uma comemoração que serve apenas para trazer esperança de tempos melhores. Uma esperança tênue e frágil, mas que faz com que muitos ainda consigam sentir forças para seguir em frente. Todos precisamos de esperança de vez em quando.