Cinema

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 | Published in | 1 comentários

Em algum lugar do passado
Tudo bem, cheguei aqui no cinema uns vinte minutos mais cedo do que havíamos combinado, mas acho que tudo bem. Ela aceitou vir no cinema comigo e eu nem acreditei. Adoro ela, ela é linda, e acho que faz bem pra mim ter chegado aqui mais cedo. Quando ela chegar eu já vou estar aqui, e ela não vai ficar esperando. É minha obrigação de homem esperar a garota, não acho certo deixar o contrário acontecer.
Vou acender um cigarro e esperar... É uma pena, parece que o tempo demora cada vez mais a passar. Fico aqui tragando o cigarro e pensando nela. Fecho meus olhos por um breve momento e consigo ver cada detalhe de seu rosto... Sinto seu perfume e ensaio o que vou dizer a ela quando nos encontrarmos. Só de me lembrar de seu sorriso parece que fico mais ansioso, nunca vi outra mulher que tinha um sorriso tão radiante. Era quase como se o sorriso dela afastasse cada um dos meus problemas.
Esses vinte minutos parecem durar uma eternidade. O tempo se arrasta e eu acendo outro cigarro. As pessoas passam por mim e minha expressão ansiosa é impossível de não ser percebida. Me pego outra vez pensando nela, pensando em como ela é linda e como a presença dela me anima. O calor de quando a abraço é reconfortante e essa lembrança me domina.
O tempo continua se arrastando, mas finalmente dá a hora que marcamos e ela ainda não chegou. Acho que ela se atrasou um pouco, o que é normal, afinal não sei como ela está vindo pra cá. Passam-se cinco minutos infernais nos quais eu olho no relógio a cada 10 segundos. E se ela não vier? Esse pensamento me assusta e tento tira-lo da minha cabeça, mas ele insiste em ficar ali, quase que me desafiando. Penso em ligar para ela, mas é provável que ela não esteja em casa, além disso teria que sair daqui, do local marcado, se ela chegar enquanto vou ligar podemos nos desencontrar, e aí tudo estará perdido.
Imerso nesses pensamentos eu a veja ao longe chegar. Linda, parecendo que possui um brilho próprio. Não vejo mais ninguém perto do cinema, só a veja chegando perto de mim. Ela me cumprimento com um longo e caloroso abraço, e eu posso sentir o seu cheiro. Nessa hora tenho certeza de que aquela tarde vai ser boa.

Em tempos atuais
            Uma linda jovem se aproxima de um rapaz com uma expressão séria. Ele está mexendo no seu aparelho celular. A jovem diz:
- Olá, acho que estou um pouco atrasada do horário que combinamos. Tem algum problema?
            E o rapaz responde:
- Nenhum, cheguei uns vinte minutos antes de você. Comecei a mexer na internet do celular e mal vi o tempo passar. Nem percebi que você estava chegando.

Uma Crônica de Segunda #7

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Uma coisa bastante comum para mim era entrar em lojas e nunca conseguir ser bem atendido. Os motivos eu nunca soube ao certo, não sei se era a cara de ressaca, as camisas de bandas de rock, o cabelo bagunçado, o tênis sujo, a cara de adolescente (ou jovem adulto), ou se simplesmente era tudo isso reunido.
A única coisa que eu podia ter certeza era que entrar sozinho numa loja para acontecer o mesmo ritual. A(o) vendedora(o) me olhava de cima a baixo e me atendia com uma tremenda má vontade, quase como se estivesse ma fazendo um favor. E não importava se eu acabava comprando algo ou não, a má vontade era a regra, a tônica da minha vida. Era quase kármico, ser mal atendido por vendedores era minha sina, o meu destino.
Acontece que o tempo passa e recentemente eu tive que comprar umas roupas novas, pelo motivo de sempre: trabalho. Só que dessa última vez algo diferente aconteceu, a vendedora veio, sorriu para mim e me atendeu gentilmente durante o tempo que permaneci na loja. Não comprei nada, mas o bom atendimento me impressionou. Na loja seguinte foi a mesma coisa, fui extremamente bem atendido e ainda fui chamado de senhor, por um vendedor visivelmente mais velho do que eu.
Eu sinceramente fiquei assustado. Foi uma brusca mudança na forma como eu sempre fui atendido em lojas. Passei o tempo todo esperando olhares de desdém, quando ao contrário, fui atendido com extrema cortesia. A única explicação é que eu devo estar ficando velho.
A idade parece trazer consigo uma certa respeitabilidade, mesmo para os chamados jovens adultos. Estar beirando os trinta passa uma imagem mais respeitosa do que estar beirando os vinte e agora eu pareço ser alguém mais sério, respeitável, um nobre cidadão que contribui ativamente para a sociedade, ou pelo menos os vendedores parecem estar pensando assim. Pena, eles não poderiam estar mais errados. 

Alergia ao Século XXI

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011 | Published in | 1 comentários

Alergia ao Século XXI

Era uma vez um homem. Ele era um cara comum, como todos os outros, mas tinha algo nele que o tornava diferente: o mundo ao seu redor parecia feri-lo de alguma maneira. Ele se sentia sempre com um frio no estomago que não sumia por mais que ele tentasse, uma sensação de vazio que nunca ia embora mesmo se ele estivesse perto de pessoas que ele amava. Não era as pessoas do mundo que o deixavam assim, afinal existiam pessoas boas e pessoas más, era o mundo em si que o machucava, e fazia com que ele nunca se sentisse bem em lugar nenhum. Todos esses problemas o fizeram procurar um médico, e este médico não soube responder a fatídica pergunta: O que aquele homem tinha? Outros médicos foram procurados e todos não souberam dizer qual a doença que aquele homem tinha. Ele até mesmo apareceu num famoso programa de televisão procurando ajuda e não conseguiu descobrir o que tinha. Foi preciso que um famoso médico fosse trazido diretamente da Europa para avaliar o problema. Depois de meses de estudo o médico chegou a uma conclusão taxativa: aquele homem tinha alergia ao século XXI. A princípio todos ficaram espantados, como alguém podia ser alérgico ao tão esperado, aclamado e, até mesmo, quase ficcional século XXI? Mas para aquele homem, a resposta parecia fazer muito sentido. Ele, como todo mundo, ficava maravilhado com o século XXI e suas novidades. Ele admirava a expansão do conhecimento e a quebra de barreiras proporcionada pela internet no início do século XXI, mas não entendia como as pessoas preferiam conversar por e-mail do que pessoalmente, mesmo sendo vizinhas. Ele admirava a revolução sexual que acontecia e a quebra de preconceitos, mas não entendia como quanto mais os tabus sexuais eram quebrados menos se valorizava o amor. Ele admirava como os relacionamentos podiam ser tão diferentes, mas não entendia como as pessoas passavam menos tempo com uma pessoa só. Ele admirava as inúmeras tentativas de paz, mas não entendia como a paz podia ser um instrumento de guerra. Enfim, ele realmente acreditou no diagnóstico do médico, ele realmente tinha alergia ao século XXI, estava tudo explicado. Numa tentativa de viver sem os seus problemas alérgicos, esse homem se mudou para uma distante montanha afastada da sociedade, e lá viveu por muitos anos. Ele viveu muito mais do que qualquer outro ser humano, pois no alto da montanha não precisava se preocupar com o que as pessoas iriam achar dele, não via hipocrisia, não tinha stress, vivia em paz consigo mesmo e nunca mais sentiu aquele frio no estomago de novo. Ele estava curado.
E o tempo passou, no mundo sem aquele homem as pessoas mudaram, e depois de muito tempo perdido em brigas e discussões, em preocupações que em nada levavam, em valores falsos que não ajudavam a ninguém, elas perceberam que também faltava algo nelas, uma sensação de vazio que nunca ia embora, um frio no estomago que não sumia. Grandes cientistas pesquisaram o estranho fenômeno e nada descobriram, mas alguém se lembrou do velho homem que tinha esses mesmos problemas e que há muito tempo havia abandonado a sociedade. Todas as pessoas do mundo se juntaram e foram atrás daquele homem, e todos ficaram espantados ao verem que ele ainda estava vivo depois de tantos anos. Eles pararam e falaram para aquele homem tudo que sentiam e o homem olhava para eles como se olha para alguém que tem o mesmo problema que você e que por isso te entende. O homem contou para todo mundo como ele se sentia na sociedade e como os problemas dele acabaram quando ele foi viver nas montanhas. As pessoas ouviram e voltaram para suas casas e começaram a deixar de lado os falsos valores que defendiam e começaram a olhar nos olhos umas das outras sem mais desconfiar, valorizando mais o ser do que o ter ou parecer. Graças a isso o mundo havia mudado mais ainda, e a hipocrisia havia sido varrida da face da Terra, assim como o egoísmo e a destruição, o amor passou a ser cada vez mais celebrado e o ser humano não mais tinha preconceitos. Tudo isso por causa do homem que tinha alergia ao século XXI, por tudo isso as pessoas do mundo o chamaram para sair de sua montanha e ver o que ele havia feito, e o homem aceitou. Desceu de sua montanha e viu a sociedade que havia surgido, ficou espantado e feliz, pela primeira vez ele não se sentia incomodado no meio das pessoas, parecia que sua alergia havia acabado, era o primeiro dia do século XXII.

Uma Crônica de Segunda #6

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Recentemente resolvi fazer algo que tinha um certo tempo que não fazia: ouvir Engenheiros do Hawaii. E ouvindo novamente algumas músicas que tinha tempo que não ouvia, pude perceber algo assustador: Humberto Gessinger, vocalista e letrista da banda, é capaz de ver o futuro.
A prova de que ele pode prever o futuro fica mais evidente quando se ouve a música “Além dos Outdoors”. A música já começa com a seguinte estrofe:
No ar da nossa aldeia
Há rádio, cinema & televisão
Obviamente nesse trecho podemos ver que o assunto é internet. O rádio, cinema e televisão que chega pelo ar de nossa aldeia vem pela rede de computadores. Essa música foi escrita em 1987, e esse trecho se refere a algo que somente se popularizou muitos anos após o lançamento da música. Essa música continua com o mesmo tema:
No céu, além de nuvens
Há sexo, drogas & talk-shows
Esta é outra referência clara a internet, onde a pornografia cada vez mais é transmitida pela rede. Falando em rede, nessa mesma música tem um trecho que fala As aranhas não tecem suas teias/Por loucura ou por paixão, lembrando que teia em inglês é web, temos outra referência a internet feita mais de vinte anos antes da popularização da mesma.
No dia-a-dia da nossa aldeia
Há infelizes enfartados de informação
Esse é outro trecho, que faz referência a quantidade de informação contida na rede mundial de computadores e ao mal uso que os usuários fazem do excesso de informação.
O refrão da música também comprova a existência do dom da previsão de Humberto Gessinger:
Você sabe,
O que eu quero dizer não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente cante
O silêncio é sempre maior
Interpretando esse verso, temos que a informação não mais está visível nos outdoors, e a propagando é vista apenas na internet. Também faz referência as conversas feitas por troca de mensagens instantâneas, pois afirma que quanto mais se grita nessas conversas feitas pela rede, mais o silêncio ao redor mostra-se maior.
Dessa forma ficou evidente que Humberto Gessinger é capaz de prever o futuro. Isso explica porque Carlos Maltz, o baterista original, veio pra Brasília pra ser astrólogo.

Só Isso?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011 | Published in | 0 comentários

O chão era coberto por carpete e os móveis eram todos de um tom claro feito para imitar perfeitamente madeira. Já havia passado pouco além das 18 horas, e como já era de se esperar em prédios públicos, aquele se encontrava praticamente vazio, com apenas alguns funcionário terceirizados da limpeza indo e vindo. E era nesse ambiente que ele esperava em frente ao computador. Já havia lido aquele relatório umas 3 ou 4 vezes e mesmo assim lia de novo, pois na verdade ele simplesmente não queria voltar pra casa. Ficar até tarde no trabalho, mesmo sem fazer nada simplesmente era uma desculpa pra ficar um pouco sozinho por lá.
Mexeu nos mesmos papeis novamente, e a vontade de ir para casa não vinha. Em casa, os pais lhe esperavam, mas mesmo assim a vontade de ir embora não vinha. O trabalho em si era monótono, repetitivo, mas pagava as contas. O problema era que sempre ficava para trás uma sensação estranha, como se estivesse faltando algo, e quase todos os dias ele se via olhando para o nada e pensando:
- Será que a vida é só isso?

            Era um ambiente estéril como se espera de qualquer hospital. O cheiro de éter era bem característico e o fluxo de pessoas indo e vindo era constante. Já fazia 2 anos que ela trabalhava naquele hospital e quase todos os dias eram iguais aos outros, apesar da variedade de casos que se sucediam.
            Ela tinha ralado muito para estar ali, faculdade de medicina não é fácil. A aprovação, o curso, a residência, tudo é complexo, extenso, cansativo, mas agora que o dito sucesso finalmente veio e ela começava a praticar a profissão que sempre sonhou, uma sensação de vazio ia e vinha e batia muito forte, e sempre parecia que algo estava faltando.
            Os plantões noturnos eram onde essa sensação vinha mais forte. As vezes, quando o fluxo de pacientes começava a rarear, ela saia para fumar um cigarro, e olhando para o escuro céu da noite ela repetia para si mesma:
- Será que a vida é só isso?

            Dizer que a vida dele tinha sido difícil seria uma das maiores mentiras que se pode contar. Ele fazia parte de uma minoria muito seleta da sociedade: aqueles que nasceram ricos. O pai havia enriquecido com uma série de empresas que ele nunca soube ao certo o que faziam. O velho pai trabalhava quase todos os dias da semana e talvez por esse motivo tenha morrido tão sedo, fazendo com que o filho único, na época com vinte e poucos anos, herdasse uma fortuna que faria com que nunca precisasse trabalhar na vida.
            Com dinheiro e sem precisar trabalhar a vida virou uma festa. Modelos, atrizes, álcool, drogas, luxo e conforto, tudo se sucedia na vida dele de uma forma que os simples trabalhadores somente podem sonhar. Mas as vezes, quando a ressaca dava um tempo e sua cabeça para de doer ele pensava se aquilo tudo não seria meio vazio, quase como se apenas se divertir o tempo todo não tivesse significado algum.
            Numa noite, após sexo e bebedeira com uma mulher que ele nem se lembrava o nome, ficou acordado olhando para o teto e sentindo o cheiro do suor dela. E nesse momento se pôs a pensar:
- Será que a vida é só isso?

            A pele era precocemente enrugada, marcada pelo trabalho ao sol. Mesmo com a roupa de proteção que usava o trabalho era duro. O sol era inclemente e a chuva trazia sempre o frio. Ela trabalhava como gari numa empresa de limpeza urbana, e depois de certo tempo já tinha se acostumado a acordar cedo e ao pouco luxo que a vida lhe concedia, mas essa era a única forma que cuidar dos três filhos que tinha. Marido? Esse a tinha abandonado quando as crianças ainda eram pequenas e desde então a vida parecia ter sido mais dura.
            Vivia num bairro pobre e sempre voltava pra casa com medo. Medo de assalto, medo da violência, mas acima de tudo medo de que o filho mais velho acabasse indo para o crime, e de todos esse medo era o maior e o mais presente.
            De vez em quando, esperando o filho mais velho voltar de lugares que ele nunca contava quais eram, ela ficava enrolada num cobertor puído vendo a programação da madrugada da TV e pensando consigo mesma:
- Será que a vida é só isso?

            “Deus é o que existe de mais importante e seguir seus mandamentos é a obrigação de todos”, esse era o pensamento que estava sempre na cabeça dela, uma mulher de classe média que a pouco passara dos 40 anos. Trabalhava, cuidava de casa, marido e filhos e ainda arrumava tempo para ajudar na igreja.
            Trabalho voluntário, obras assistenciais, ajudar o próximo, era visto como um dever, coisas que ela fazia por amor, apesar da aparente contradição. Mas as vezes ela se pegava pensando se o seu trabalho não era inócuo, afinal por mais que tentasse ajudar os outros, sempre haveriam muitos mais que precisam ser ajudados. Não importava o quanto fizesse, sempre era pouco e daí vinha uma sensação de vazio, quase como se algo sempre estivesse faltando.
            As vezes, podia ser no meio da missa ou ajudando em alguma obra da igreja, ela se via imersa em seus pensamentos e pensando:
- Será que a vida é só isso?

            Infelizmente todas as vidas se perguntam se a vida é apenas isso mesmo. Apenas uma sucessão de acontecimentos que não sabemos para onde vão ou de onde vem. Falta um propósito e quando encontramos esse propósito é impossível saber se é verdadeiro ou não. E justamente por isso, quanto mais se pensa no assunto, mais certeza se tem de que sim, aparentemente a vida é apenas isso, e não há nada além, nada mais a se fazer, apenas viver da melhor forma possível.