Guias - Primeira Parte

sexta-feira, 11 de setembro de 2009 | Published in | 0 comentários

Existe algo de muito estranho no que eu escrevo, e quando digo estranho me refiro ao fato de que raramente batizo meus personagens. A explicação pra isso é simples, afinal espero um certo tipo de identificação com meus personagens, e a partir desse momento eu não os batizo para que cada pessoa possa inserir seu próprio nome na lacuna deixada por esse vazio. Na presente história não poderia ser diferente, e por mais bizarra que ela pareça a princípio, espero dessa vez conseguir algum tipo de identificação por menor que esta seja. Mas essas conversas com os leitores não contribuem em nada para o desenrolar da história e justamente por isso, não me alongo demais nesse “bate-papo” e sigo com meu objetivo principal que é contar histórias.

E dizia-se que ela passava muito tempo sozinha. Mas não era sozinha, sozinha como esperamos que seja o significado de ficar sozinha, como se ela fosse excluída ou como se ela fosse uma solteirona, encalhada ou feia. Na verdade quem se excluía era ela, pois o silêncio lhe era agradável e a maioria das pessoas, falando o tempo todo, sempre alto e sempre sem parar doía, incomodava, por esse motivo ela preferia ficar sozinha. Por essas razões a hora do dia que ela mais gostava era a noite, pois era a hora que no escuro ela poderia ficar quieta no quarto, sentindo o silêncio e apreciando essa paz que somente a escuridão poderia trazer

Nessas horas em que ficava a sós consigo mesma, ela sempre se sentia confortável. Era quase como se houvesse alguém em meio a escuridão que, silenciosamente, lhe fazia companhia. E o mais interessante era que essa companhia era extremamente agradável. Desde criança ela sentia essa companhia quando ficava sozinha, como se um amigo tivesse sempre de olho nela, vendo se tudo estaria certo e agradável pra ela, isso tudo sem nunca dizer uma palavra.

O grande problema disso tudo é que essa simples sensação, que ela encarou como a sua resposta ao silêncio não era nada do que ela pensava, mas isso ela só descobriu quando já estava na adolescência. O tempo passa, crescemos, as companhias alegres da família aos poucos parecem chatas e entediantes quando se entra nessa fase, sempre acompanhada de contestação e fúria, mas para alguém como nossa personagem, que sempre preferiu ficar sozinha, a adolescência veio acompanhada de receios de outras jovens e de outros jovens e não se sabe muito bem os motivos para isso, se era pela roupa preta, pelo espírito contestador ou se apenas pelo fato de que se interessava por coisas diferentes demais da maioria. Somente se sabia que a solidão agradável dos anos de criança, ainda era agradável nos anos de adolescência, mas que agora possuía um sabor mais amargo, um leve ponta de solidão que, dessa vez, poderia ser compreendido no sentido estrito (e mais cruel) da palavra solidão.

Numa noite solitária, onde um coração se sentia frio como montanhas cobertas de neve, foi que aconteceu. Silêncio... ela tinha uns 15 anos pelo que se lembra e o dia tinha sido excepcionalmente ruim. Hoje lembrar os motivos pelos quais o dia tinha sido ruim não são mais relevantes, e acho que ela nem mais se lembra, deveria ser algo relacionado a falsas amigas, a olhares discriminatórios devido ao jeito de ser, qualquer preconceito que um adolescente fora do padrão sofre, mas ao certo não há como saber. Naquele dia excepcional a solidão e o silêncio e a escuridão serviam para aplacar a dor e o peso em seu coração, e justamente, no momento em que uma única lágrima furtiva escorria pelo seu rosto ela viu o reflexo da luz da lua entrando pela janela em oito bolas negras que fixamente olhavam pra ela.

Ao perceber a tais “bolas negras”, foi como se estas piscassem, com uma leve expressão de perplexidade. A nossa personagem teve um breve susto, aceitável até, por não saber o que era aquilo ou o que estava acontecendo. Após respirar fundo ela se levantou de sua cama procurando acender a luz, e antes mesmo que pudesse colocar o primeiro pé no chão ela ouviu uma voz, feminina, lhe dizer suavemente:
- Por favor, não.

Com toda certeza, agora ela poderia ter certeza de que havia algo ou alguém com ela e que esse alguém era responsável pelas pequenas bolas negras que ela via soltas no ar e que brilhavam ao reflexo da luz da lua que entrava pelas frestas da cortina. Mas apesar dessa certeza, a voz que ouviu lhe confortou ao ponto do susto ter ido embora, e uma estranha sensação de paz tomar conta dela. Nesse momento ela ouviu a mesma voz lhe dizer:
- A luz costuma me incomodar, por isso não acenda.
E mais uma vez pareceu que as bolinhas negras piscavam pra ela.

A nossa personagem, com certa, naturalidade, ao invés de perguntar um “quem é você?” ou um “o que você faz aqui”, preferiu como primeira pergunta apenas dizer:
- Deixe-me olhar para você.

E ainda sentada em sua cama, a garota pode perceber uma haste negra com pêlos afastar as cortinas e deixar que toda a claridade da luz entrasse no quarto. Ela pode ver, sob a pálida luz da lua, que na verdade as bolas negras olhavam para ela de verdade pois eram olhos, e que na verdade eram oito bolas negras/olhos e que a haste que abriu as cortinas eram uma enorme pata com pêlos negros. Ela estava diante de uma aranha, negra e com pêlos negros tão negros quanto seus olhos, patas longas que faziam com que a aranha tivesse quase um metro de altura, e ela era monstruosa e linda aos olhos da nossa personagem.

Ela, a garota, não sentiu medo, apenas esboçou um leve sorriso, sentindo dentro de si uma felicidade estranha e uma sensação de amizade como ela nunca havia antes sentido. A nossa garota se limitou a olhar para a aranha e dizer com calma:
- Agora que eu te vi, eu não preciso perguntar quem você é. Eu sei exatamente quem você mas não consigo explicar com palavras, apenas sei e isso é que importa, e me sinto feliz de poder te ver. Quero apenas que me diga se era você das outras vezes.
E a aranha respondeu:
- Na maioria das vezes sim, houve outro antes de mim, mas foi por pouco tempo.

E ambas, a garota e a aranha, ficaram em silêncio novamente. Sentiam que não precisavam, e nem queriam, conversar, mas apenas a presença de uma já fazia bem a outra e fazia com que o sentimento de solidão se dissipasse.