Roxo

quarta-feira, 26 de agosto de 2009 | Published in | 1 comentários

Eu não consigo nem mesmo fantasiar com mulheres que não estão ao meu alcance. Ao olhar a capa de uma revista masculina, o primeiro pensamento que me vem a mente é que falta algo... Está lá, uma mulher estonteante, perfeita, mas que não sabe meu nome e que jamais saberá, e justamente por isso é que falta algo: saber que nunca a conhecerei, saber que ela nunca nem mesmo saberá o meu nome corta totalmente qualquer tesão que eu venha a ter por ela. E esse é o motivo pelo qual eu não gosto de revistas masculinas (vulgarmente conhecidas como “de mulé pelada”) muito menos de modelos de anúncios publicitários.

Sou mais fã da beleza real, essa encontrada nas ruas. A beleza verdadeira, onde cada defeito integra uma pequena parte de um todo perfeito. E foi por pensar assim que tudo aconteceu. Essa história já tem alguns anos, mas merece ser lembrada. Eu a vi pela primeira e última vez. Sentado numa parada de ônibus, eu a vi... A primeira coisa que me chamou a atenção foi o tênis all star roxo (diga-se de passagem ,essa cor não é muito comum, mesmo para tênis all star). As meias brancas davam um belo contraste, subi o olhar pelas longas pernas brancas que há muito não viam sol e me detive na saia marrom já meio desbotada. O olhar continuava a subir e percebi a blusa preta e branca listrada bem agarrada ao corpo, os cabelos pretos um tanto quanto mal cuidados desciam até o meio das costas. E eu estava ali, esperando meu ônibus e implorando em meus pensamentos para que ela se virasse e eu pudesse ver o seu rosto. E minhas preces foram atendidas, a pele do rosto muito branca chocava com os cabelos pretos que eu já havia reparado. Não era bela como as modelos das revistas, mas tinha aquela beleza real que todas as mulheres possuem. Propositadamente estava com uma roupa surrada, despojada, e justamente por isso parecia mais bonita ainda. Se a colocassem num vestido ou numa roupa diferente, com toda certeza el não seria capaz de chamar a atenção por onde andasse, mas para mim aquele visual é que a deixava deslumbrante. E ao mesmo instante que vi essa beleza eu senti uma onda que me invadiu o peito.

Era estranho, a primeira vista parecia que eu estava apaixonado a primeira vista. E fiquei em conflito comigo mesmo, tentando criar a coragem para me levantar e ir direção dela, tentando ao menos um telefone para um encontro mais tarde. As pernas adormeceram e eu não conseguia reunir a coragem para me levantar e ir até ela. Timidez, vergonha ou mera covardia... não sabia qual desses me segurava ao duro banco da parada de ônibus enquanto eu desejava ardentemente aquela anônima na minha frente.

Meu ônibus passou, e eu fiquei sentado ao banco esperando o ônibus dela passar. Quem sabe eu poderia pegar o mesmo ônibus e tentar uma conversa insossa, ou ao menos um olhar eu poderia tentar conseguir antes de me aproximar. E mais uma vez plantado fiquei no meu lugar, olhando para ela e vendo os seus cabelos negros, suas longas e grossas pernas brancas e seu all star roxo.

Ela se moveu lentamente em minha direção, me arrepiei pensando do que se tratava, e que talvez viesse para falar comigo. Estava enganado, ela só andou em direção ao seu ônibus que acabara de chegar, e a mim faltou coragem para pegar o mesmo ônibus. Ela se foi e eu fiquei para trás com tudo que sentia.

Eu a amei desesperadamente durante aqueles poucos minutos. Ela se foi, levando consigo o all star roxo que primeiramente me chamou a atenção e eu fiquei em pedaços para trás, me repreendendo por não ter a coragem de ir falar com ela. E durante o resto daquele dia e dos dias seguintes a paixão ainda existia e a imagem do all star persistiu em minha mente, e quando eu fechava os olhos eu ainda via: roxo. Mas essa mesma paixão, que me percorreu durante poucos minutos e que me seguiu durante alguns dias foi embora. Anos depois reli a primeira parte deste texto e nem mais me lembrava da bela garota de all star roxo que eu amei desesperadamente por poucos minutos, e assim descubro que meus sentimentos são de extremos, são como um fogo que arde forte e que depois apaga sem nem mesmo deixar cinzas como lembranças fazendo com que um amor se extinga como o ponto final que termina esta frase.

O Vento

segunda-feira, 10 de agosto de 2009 | Published in | 0 comentários

O tempo que fiquei sem postar nada foi um breve luto pela morte de um amigo querido. Voltemos a programação normal deste blog.

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O Vento

Numa estrada de terra, durante o fim de um dia frio, um andarilho seguia seu caminho. Em suas costas carregava uma velha sacola de couro pendurada em um dos ombros, nela carregava antigas lembranças de coisas boas e ruins. O peso era visto em seu rosto, que em cada ruga poderia se ver cada lágrima que já derramou e cada sorriso que um dia dera.

Seguia relembrando as cidades pelas quais já havia passado e as pessoas que tinha encontrado pelo caminho e deixado para trás. Tais pensamentos apenas aumentavam o peso da sacola em seu ombro.

O vento soprava frio e forte em suas costas, levantando a poeira da estrada, formando riachos de pó ao redor de seus pés com pequenos redemoinhos de pó vermelho a sua frente.

A estrada já estava lá, e ele apenas a seguia. O caminho já estava feito e era o mais fácil a fazer. Seguir o caminho determinado, mesmo que ele seja feio e sujo, era mais fácil que fazer sua própria trilha, e seguir um caminho pré-determinado era o que prendia seus tornozelos a grilhões invisíveis que foram arrastados por toda uma vida.

O vento soprava cada vez mais forte e frio, o peso em sua sacola de lembranças era cada vez maior, as marcas em seu rosto cada vez mais profundas... O cansaço era evidente e mesmo o vento frio não impedia gostas de suor escorrerem pelo rosto como se fossem lágrimas que não mais seriam derramadas.

Cheiro de chuva era cada vez mais forte e o vento varria a poeira da estrada com o sol se pondo ao fundo. O vento corria livre, sem os grilhões que prendiam o andarilho a sua estrada.

A dor no peito, a sensação de solidão mesmo sabendo que vários andarilhos se encontravam na estrada, a vontade de morrer, o cheiro de poeira e o vento cortante se misturavam aos pensamentos do andarilho e a imensidão da estrada. O andarilho seguiu toda a sua estrada atrás de uma liberdade que nunca iria conseguir, preso aos grilhões que não conseguia ver. E em meio aos pensamentos sobre a estrada, o cansaço, o peso da sacola em seu ombro e o vento que corria, o andarilho apenas parou olhando o sol se pondo, sentindo o vento cortar-lhe levemente o rosto. Deixou a sacola cair no meio da estrada empoeirada e abriu os braços sentindo o vento entrar em suas roupas, e assim ele saltou para acompanhar o vento em sua corrida louca sem direção, deixou para trás velhos grilhões e uma sacola de lembranças boas e ruins que não mais serviam para coisa alguma e assim finalmente pode se sentir livre.